UE chega a acordo sobre polémica Lei de Restauro da Natureza
Até 2030, os países da UE devem lançar medidas que abranjam 30% dos seus habitats em mau estado, como campos, rios e florestas. O objetivo é inverter o declínio dos habitats naturais da Europa.
A União Europeia concordou esta quinta-feira em aprovar uma lei muito contestada para restaurar ecossistemas naturais degradados, salvando medidas que alguns legisladores de centro-direita tinham feito campanha para eliminar alegando que prejudicavam os agricultores. Os negociadores dos países da UE e do Parlamento Europeu chegaram a acordo na noite de quinta-feira sobre o acordo, que exigiria que os países introduzissem medidas de restauração da natureza em 20% da terra e do mar da UE até 2030.
“A Europa está a empenhar-se, a comprometer-se, não só a preservar e a proteger, mas também a restaurar a natureza”, declarou a ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera. A Espanha detém a presidência rotativa da UE e representou os países da UE nas negociações.
A lei será agora submetida ao Parlamento Europeu e aos países da UE para aprovação final. Esta etapa é normalmente uma formalidade quando se trata deste tipo de acordos já aprovados.
Até 2030, os países da UE devem lançar medidas que abranjam 30% dos seus habitats em mau estado, como prados, rios e florestas. O objectivo é inverter o declínio dos habitats naturais da Europa, 81% dos quais estão classificados como estando em mau estado.
Os governos deverão evitar uma deterioração significativa dos habitats saudáveis e introduzir medidas específicas para aumentar dois destes três habitats: as populações de borboleta-dos-prados, as características amigas da natureza, como as sebes nas terras agrícolas, e o armazenamento de carbono nos solos.
Os objectivos propostos para a recuperação das turfeiras foram enfraquecidos após a resistência de alguns países. As turfeiras são ecossistemas alagados que podem contribuir para combater as alterações climáticas devido à sua capacidade de armazenar emissões de CO2.
Meses de campanha
Em Junho, a Lei do Restauro da Natureza ficou encurralada nos labirintos políticos do Parlamento Europeu com um resultado na votação de “44-44”, entre a rejeição do Partido Popular Europeu (PPE, onde se insere o PSD e o CDS), aliado aos grupos de extrema-direita e a parte dos liberais do Renew Europe, e as famílias dos Socialistas e Democratas (S&D, que inclui o PS), Verdes, Esquerda (que integra PCP e BE) e a outra parte do Renew, que votaram a favor da lei, com o apoio de associações ambientalistas e cientistas de todo o mundo.
Um mês depois, o plenário do Parlamento Europeu aprovou a Lei do Restauro da Natureza com 336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções. O texto final aprovado, com emendas que retiraram parte da sua capacidade transformadora, fica muito aquém do que tinha sido negociado pelos co-relatores do dossier na Comissão de Ambiente do PE, antes do boicote dos grupos mais à direita. Caíram medidas sobre a gestão de áreas agrícolas e também os pontos relativos a madeira morta, contestados pelos eurodeputados do PSD.
Depois de alguns países se terem mostrado preocupados com o custo da introdução de medidas de protecção da natureza, Bruxelas concordou em propor mais financiamento se uma análise concluir que os países precisam dele.
O acordo é um resultado negociado alcançado após meses de campanha política. Alguns governos alertaram para o facto de a Europa estar a impor demasiadas leis ambientais às indústrias, enquanto os legisladores de centro-direita da UE lideraram uma campanha para anular o projecto de lei, argumentando que iria prejudicar os agricultores.
Alguns países e legisladores da UE lutaram para manter a lei, argumentando que é necessária uma acção forte para salvar espécies em declínio e aproveitar a capacidade da natureza para proteger as pessoas do agravamento dos impactos climáticos, arrefecendo as cidades com espaços verdes ou utilizando as zonas húmidas para evitar inundações.
O que ficou de fora?
De fora ficaram pontos considerados importantes — alguns mesmo essenciais —, como o artigo 9, relacionado com ecossistemas agrícolas, que foi eliminado com uma emenda do PPE. Ou seja, sai da proposta do Parlamento a recuperação de solos agrícolas, que poderão ficar de fora das obrigações de recuperação, que seriam medidas, por exemplo, pela contagem de borboletas e outros polinizadores (essenciais para a produção) ou pela área de paisagem com alta diversidade, assim como o objectivo de recuperar áreas húmidas que tenham sido convertidas em terrenos agrícolas.
Os eurodeputados portugueses do PSD também conseguiram, com emendas apoiadas por colegas do PPE, retirar do artigo 10 a obrigação de manter nas florestas a madeira morta, essencial para a manutenção da biodiversidade.
Um boicote do grupo democrata-cristão Partido Popular Europeu (PPE, onde estão eurodeputados do PSD e do CDS) levou à rejeição da proposta nas três comissões que analisaram o documento, incluindo um empate final na comissão de Ambiente, que recomendou a rejeição da proposta no plenário.
Durante o processo, o PPE insistiu que esta é uma lei que veio “mal feita” da Comissão Europeia. Um dos grandes motivos alegados pelo PPE é a ameaça à soberania alimentar europeia, algo que foi desmistificado por milhares de investigadores europeus (incluindo quase 100 portugueses) que subscrevem um artigo científico em que são desmontados, com base em investigação científica, vários argumentos usados contra a Lei do Restauro da Natureza, como a perda de solos agrícolas ou a suposta ameaça ao mercado das renováveis.
Em Portugal, nove organizações ambientalistas portuguesas entregaram, em Julho, uma carta aos eurodeputados defendendo que “Portugal tem tudo a ganhar com uma Lei do Restauro da Natureza ambiciosa”. Apelando ao voto a favor da lei, pedem que os políticos demonstrem um “compromisso claro para manter e consolidar o equilíbrio entre os ecossistemas saudáveis e a prosperidade das populações que deles dependem”.