PSOE e Junts chegam a acordo sobre amnistia. Sánchez com via aberta para formar governo
Acordo entre independentistas e socialistas abre oportunidade ao PSOE para formar governo em Espanha. Debate de investidura poderá ser marcado já para a próxima semana.
O PSOE e o Junts chegaram a acordo, esta quinta-feira, para a investidura do actual primeiro-ministro e candidato socialista à reeleição, Pedro Sánchez. O processo que levará à formação de um novo governo em Espanha deverá ser concluído na próxima semana, depois de os dois partidos chegarem a acordo sobre a lei da amnistia em relação aos responsáveis pelo procès.
Em Bruxelas, o ex-presidente da Generalitat e líder do Juntos pela Catalunha, Carles Puigdemont, saudou a conclusão de uma "etapa inédita", mas não deixou de sublinhar a "desconfiança histórica" em relação ao PSOE. "Não nos fiamos em palavras nem em promessas e, seguramente, a outra parte tem a mesma opinião e terá falta de confiança em nós", disse Puigdemont a partir da Bélgica, para onde fugiu em 2017 na sequência do referendo catalão que determinou a sua condenação por vários crimes contra o Estado espanhol. O dirigente catalão fez a sua declaração no mesmo local da capital belga a partir do qual falou pela primeira vez após a fuga, há seis anos.
Puigdemont foi claro em dizer que o apoio do Junts nunca estará totalmente garantido ao longo da legislatura e que cabe ao PSOE assegurar a estabilidade "mês a mês e com cada lei que leve ao Congresso". O acordo alcançado entre socialistas e independentistas será objecto de fiscalização através de "um mecanismo independente que não pode ser catalão nem espanhol", disse, acrescentando que existe já uma composição deste organismo e que a primeira reunião irá ocorrer ainda em Novembro.
O anúncio oficial chega dias depois de largas e intensas negociações entre ambas as partes, que nos últimos dias se concentraram em resolver algumas diferenças na redacção da lei da amnistia e em definir o seu âmbito. Na quarta-feira, o jornal conservador El Español dava mesmo conta de que as negociações tinham chegado a um impasse e que a investidura não aconteceria tão depressa como tinha sido anunciando previamente por fontes socialistas que foram ouvidas por vários jornais espanhóis no final da semana passada.
Fechado o acordo entre o PSOE e o Junts, tudo indica que o debate de investidura no Congresso dos Deputados deverá ser marcado já para a próxima semana, previsivelmente para 15 e 16 (quarta e quinta-feira), de acordo com fontes parlamentares citadas pelo El País.
Acordo com amnistia alargada
O acordo inclui as principais reivindicações das forças independentistas, com uma amnistia alargada "tanto aos responsáveis como aos cidadãos que, antes e depois da consulta de 2014 e do referendo de 2017, tenham sido objecto de decisões ou processos judiciais vinculados a estes acontecimentos". Esta era a principal exigência do Junts e está na origem da onda de contestação de vários sectores políticos e sociais ao entendimento entre os socialistas e os independentistas.
Há também o compromisso por parte do PSOE de aprovar um modelo de financiamento diferenciado para a Catalunha, permitir à Generalitat que conserve a totalidade das receitas fiscais e, ainda, um perdão de 20% da dívida da região.
O acordo prevê igualmente a abertura do debate sobre a marcação de "um referendo sobre a autodeterminação do futuro político da Catalunha", através de um mecanismo independente cujo alcance e composição irá começar a ser negociado já em Novembro.
Finalmente, o PSOE compromete-se a promover medidas que facilitem o regresso de empresas à Catalunha que tenham transferido as suas sedes e actividades para outras regiões na sequência da crise desencadeada pelo referendo ilegal de 2017.
Há “fumo branco”
“Pela chaminé sai fumo branco”, escreve o diário El Mundo, detalhando que a “máquina está pronta” para a mais do que esperada investidura do socialista Pedro Sánchez. A troca de propostas entre o PSOE e o Junts – que decorria de forma acelerada e intensa desde a semana passada – prolongou-se noite dentro, na madrugada desta quinta-feira, na sequência dos pedidos de Carles Puigdemont para alargar o perímetro do indulto, “com o objectivo de se proteger das acusações de terrorismo do juiz García Catellón”, adianta ainda o mesmo jornal.
Na passada segunda-feira, a Audiência Nacional anunciou que Puigdemont e outras 11 pessoas são indiciadas na investigação às actividades da plataforma digital Tsunami Democràtic (Tsunami Democrático) durante os protestos independentistas de 2019. De acordo com o juiz Manuel García Castellón, os actos atribuídos à entidade que coordenou os protestos maciços “podem ser constitutivos de diversas infracções”, incluindo “actos de terrorismo”.
Segundo o El País, a ordem deste juiz fez com que os representantes do Junts quisessem rever um a um todos os artigos da lei da amnistia, que estava praticamente concluída, para que não fossem encontradas brechas. O receio do partido independentista é que aconteça o mesmo que aconteceu com a reforma que implicava a eliminação do crime de sedição e a alteração do crime de peculato, que acabou por não dar em nada, depois de o Supremo Tribunal ter decidido que estas alterações não se aplicavam aos responsáveis pelo procès.
A lei tem de ser “intocável” e tem de ser “feita com perfeição jurídica”, dizem fontes conhecedoras das negociações ao El País, porque não pode ter quaisquer falhas que a tornem vulnerável ao percurso legislativo que terá de enfrentar. “Sabemos que eles vão dissecar a lei” e dar “o melhor de si” para procurar pontos fracos, dizem as fontes consultadas ao mesmo jornal.
O jornal catalão La Vanguardia, que teve acesso ao documento assinado pelos dois partidos, classifica-o como “uma nova etapa” para “resolver o conflito histórico” da Catalunha.
Questionado sobre o assunto em Bruxelas, o porta-voz da Comissão Europeia, Christian Wigand, limitou-se a lembrar que esta é uma “questão interna de Espanha e que deve ser resolvida dentro do quadro constitucional espanhol”.
Ayuso acusa PSOE de “introduzir uma ditadura pela porta de trás”
O acordo já motivou reacções por parte dos responsáveis pelo Partido Popular (PP), liderado por Alberto Núñez Feijóo, que, apesar de ter conseguido a maioria dos votos nas eleições de Julho, não foi capaz de assegurar uma maioria parlamentar que capacitasse o partido para formar governo. Nesta quinta-feira, Isabel Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid, e uma das mais destacadas líderes dos populares, disse mesmo que este acordo, assente na leia da amnistia, representa a entrada numa ditadura.
“Trouxeram-nos uma ditadura pela porta das traseiras e estamos no início”, afirmou em declarações à rádio Antena 3. “Compreendo que as pessoas possam dizer que é um exagero”, afirmou Ayuso. “A partir do momento em que um governo tem poder executivo, legislativo e judicial, isso é uma ditadura”, justificou. E acrescentou: “Os grandes ditadores da história entraram sorrateiramente através dos parlamentos.” E não se ficou por aqui, apontando o dedo a Puigdemont. “Um tipo como ele, um fugitivo da Justiça, que odeia Espanha, vai decidir o futuro do país”, reforçou.
Feijóo voltou a tecer duras críticas ao acordo entre o PSOE e as forças independentistas, falando em "acordos da vergonha". "O PSOE está a ceder a todas as exigências dos independentistas, que não fizeram nenhuma concessão nem mostram arrependimento, antes pelo contrário", afirmou.
O líder do Vox (de extrema-direita), Santiago Abascal, pediu que voltem a ser convocadas novas manifestações, que definiu como actos de "resistência contra um Governo que vai conseguir ser investido com aqueles que querem destruir a nação".
O acordo surge depois de vários dias de violentos protestos contra o PSOE convocados através das redes sociais por vários grupos da direita radical e falangistas, contando com o apoio do partido de extrema-direita Vox e de algumas figuras do PP. A multidão tentou mesmo invadir a sede do PSOE na noite de terça-feira, envolvendo-se em violentos confrontos com a polícia nas ruas de Madrid.
O que falta agora?
Apesar do acordo hoje anunciado, o PSOE ainda tem caminho para fazer de forma a alcançar a maioria que permitirá a Sánchez chefiar o próximo executivo em Espanha. O Partido Nacional Basco (PNV) ainda não deu luz verde aos socialistas. Depois do acordo alcançado com o Junts, o PSOE precisa agora dos votos dos cinco deputados do PNV.
Bingen Zupiria, porta-voz do governo basco, assegurou nesta quinta-feira, citado pelo portal infobae, que o acordo de governo é necessário “o quanto antes”, para se conseguir um executivo “duradouro”, que será o “melhor remédio” contra o “mau ambiente político que se gerou em Espanha e, sobretudo, em Madrid”.
Já na semana passada, os socialistas chegaram a acordo com a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), semanas depois do acordo de governo com os independentistas do Sumar, de Yolanda Díaz.