Apple na Irlanda: parecer no Tribunal de Justiça aponta para ajudas ilegais de IRC

Decisões da Irlanda permitiram à multinacional pagar menos 13 mil milhões. Advogado-geral do Tribunal de Justiça dá respaldo à decisão da Comissão Europeia que declarou teor de acordos ilegal.

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O litígio da Apple começou depois de a Comissão Europeia considerar as ajudas incompatíveis com o mercado interno EPA/JULIEN WARNAND
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Ainda não há uma decisão final do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no caso em que a Apple contesta o pagamento à Irlanda de mais de 13 mil milhões de euros referentes à devolução de benefícios fiscais ilegais (de IRC) que permitiram à multinacional norte-americana pagar menos impostos em território irlandês, mas há uma apreciação jurídica dos factos, feita no processo, que é desfavorável à gigante tecnológica.

O advogado-geral que está a acompanhar o litígio no TJUE — uma figura a quem cabe pronunciar-se sobre o caso para dar um parecer independente e cuja posição pode ser levada em consideração pelo tribunal no momento de formular um juízo e decidir — apresentou nesta quinta-feira as suas conclusões. E dá razão à interpretação feita pela Comissão Europeia, quando em 2016 considerou que o Estado irlandês infringiu as regras de concorrência europeias ao conceder à Apple incentivos fiscais que permitiram à multinacional beneficiar de uma redução artificial do imposto sobre o rendimento a pagar em território irlandês.

Estão em disputa mais de 13 mil milhões de euros – foi esse o cálculo das ajudas indevidas que Bruxelas contabilizou em 2016 quando, ao declarar o teor dos acordos fiscais incompatíveis com o mercado interno, chamou a Irlanda a exigir à Apple a reposição dos valores em causa. Entretanto, o valor a devolver já será superior, estando nos 14.300 milhões, segundo o jornal Financial Times.

A Irlanda e a própria Apple recorreram da decisão da Comissão Europeia para o Tribunal Geral da União Europeia e, aí, a decisão da primeira instância fragilizou a decisão de Bruxelas, por considerar que o executivo comunitário não tinha demonstrado que a Apple obtivera uma vantagem selectiva (em relação aos concorrentes) directamente por causa das decisões fiscais antecipadas que a Irlanda emitira.

Em 1991 e em 2007, através de duas decisões oficiais, a administração tributária da Irlanda permitiu que duas sociedades constituídas ao abrigo do direito irlandês — a Apple Sales International (ASI) e a Apple Operations Europe (AOE) — fossem tributadas em IRC de acordo com um método em que, para a matéria colectável, não entravam os lucros decorrentes da utilização de licenças de propriedade intelectual detidas por aquelas duas sucursais. Bruxelas declarou o auxílio ilegal, considerando que os lucros gerados pelas vendas de produtos da Apple fora dos Estados Unidos da América deviam contar como resultados das sucursais e pagar imposto na Irlanda (a existência das decisões fiscais não é ilegal, mas o que resulta do que aí ficou estabelecido).

Mais tarde, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha demonstrado que existira uma vantagem, e anulou a decisão.

No entanto, para o advogado-geral Giovanni Pitruzzella (de nacionalidade italiana), o tribunal “cometeu um erro na definição do nível de prova que incumbe à Comissão” e “cometeu uma série de erros de direito na análise que o levou a concluir que a Comissão não tinha demonstrado os erros metodológicos identificados no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário”. E, por isso, dá seguimento ao que Bruxelas pedia e sugere ao Tribunal de Justiça, à instância superior, que anule o acórdão do Tribunal Geral e remeta o processo a essa mesma instância para, aí, haver uma nova apreciação quanto ao mérito.

Num comunicado emitido nesta quinta-feira pelo gabinete de imprensa, o TJUE explica o que concluiu Pitruzzella: “Segundo o advogado-geral, o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito quando declarou que a Comissão não fez prova bastante de que as licenças de propriedade intelectual detidas pela ASI e pela AOE, bem como os lucros correspondentes, gerados pelas vendas dos produtos Apple fora dos Estados Unidos, deviam ser imputados, para efeitos fiscais, às sucursais irlandesas. O advogado-geral também considera que o Tribunal Geral não avaliou correctamente a existência e as consequências de determinados erros metodológicos que, segundo a decisão da Comissão, viciaram as decisões fiscais antecipadas. Por conseguinte, no entender do advogado-geral, o Tribunal Geral tem de proceder a uma nova avaliação”.

As posições dos advogados-gerais são um momento em que o TJUE ouve um perito independente, a quem cabe propor uma solução para o litígio em causa, cabendo sempre ao tribunal tomar uma decisão final sobre o processo.

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