Podemos reduzir o lixo plástico em 89% até 2040 com a ajuda da inteligência artificial

Cientistas californianos desenvolvem ferramenta de inteligência artificial que esperam que seja útil nas negociações para um tratado para controlar a poluição por plástico.

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Se não se fizer nada, a produção anual de plástico vai aumentar 22% entre 2024 e 2050 Nivedita Biyani
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Se não fizermos nada para reduzir a quantidade de lixo plástico que hoje produzimos, a quantidade de resíduos que produzimos de 2010 a 2050 seria suficiente para cobrir toda a ilha de Manhattan, o coração de Nova Iorque, com uma montanha de plástico de 3,5km – o que é quase dez vezes a altura do Empire State Building, o maior edifício desta cidade norte-americana.

Esta é uma forma de visualizar a análise de como pode evoluir a poluição por plástico no nosso planeta, consoante a negociação internacional que neste momento está a decorrer sob os auspícios das Nações Unidas produza um tratado forte para a controlar ou, em vez disso, apenas um acordo que não seja legalmente vinculativo ou não tenha metas claras e ambiciosas. O objectivo é conseguir reduzir a poluição por plástico em 80% até 2040 e há esperança de que o acordo seja conseguido até ao final de 2023.

“Um tratado fraco pode ser pior do que não existir tratado algum”, comentou Douglas McCauley, professor na Universidade da Califórnia e um dos membros da equipa que desenvolveu esta ferramenta de análise, disponível online, que espera que seja útil aos negociadores que se reúnem entre 13 e 19 de Novembro na sede do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), em Nairobi, no Quénia.

Um tratado vinculativo forte, que tenha a mistura certa de nove políticas de redução dos plásticos, pode levar à quase eliminação deste tipo de poluição em 2040, diz esta equipa. A quantidade de resíduos plásticos que hoje não são tratados pode ser reduzida em 89%, para uma quantidade bastante mais manejável de dez milhões de toneladas por ano em 2040.

“Espero que os países que se reúnem em Nairobi prestem atenção a estas conclusões. Fiquei muito contente por ver provas científicas de que um tratado forte poderia acabar com o problema dos resíduos plásticos para sempre. Nada me faz mais feliz do que pensar que a minha geração pode ser a última a viver com o cancro da poluição por plástico”, acrescentou McCauley, citado num comunicado de imprensa da universidade.

Agir no início da cadeia

Há urgência em agir e não se pode trabalhar apenas na reciclagem. É preciso agir no início da cadeia: se nada se fizer e a tendência actual se mantiver, a produção anual de plástico vai aumentar 22% entre 2024 e 2050. A poluição de plásticos vai disparar 62% entre 2024 e 2050, conclui a equipa de cientistas da Universidade da Califórnia em Berkeley e em Santa Barbara que desenvolveu esta ferramenta de análise.

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A pilha azul representa a montanha de 3,5 km de altura face a Nova Iorque, que seria a quantidade de resíduos plásticos gerada entre 2010 e 2050, se não se fizer nada DR

As estimativas dos custos sociais e ambientais relacionados com a poluição por plásticos oscilam entre 300 e 600 mil milhões de dólares por ano, disse Sheila Aggarwal-Khan, directora da Divisão de Indústria e Economia no PNUA, numa conferência de imprensa online para apresentar o relatório Fechar a Torneira: Como o mundo pode acabar com a poluição por plástico e criar uma economia circular.

Para desenvolver esta ferramenta interactiva, que permite analisar os efeitos de pôr em prática uma medida ou outra na evolução da poluição por plásticos ao longo dos anos, cientistas que se dedicam à inteligência artificial, ao estudo dos dados e da poluição por plásticos usaram uma forma de inteligência artificial, denominada aprendizagem de máquina (machine learning). Esta permite que os computadores aprendam sozinhos e executem tarefas de forma autónoma, sem serem explicitamente programados.

O programa foi desenvolvido por investigadores do Laboratório de Ciência Oceânica Benioff, da Escola Bren de Ciências e Gestão Ambiental e do Centro Eric e Wendy Schmidt para Ciência de Dados e o Ambiente. Utilizando informação sobre crescimento populacional e tendências económicas, esta ferramenta informática permite prever a evolução futura da produção, comércio e poluição por plástico, a nível global e regional.

Esta ferramenta é única, porque pode ser utilizada pelos negociadores do tratado para fazer previsões em tempo real e interactivas. Pode simular rapidamente os resultados produzidos, se forem seguidas diferentes políticas, seleccionando ou retirando medidas que vêm no programa, ou criando outras”, explica Sam Pottinger, investigador da Universidade da Califórnia em Berkeley, outro membro da equipa.

“Os países podem explorar cenários que talvez nem estivessem dispostos a considerar. Permite aos países tomar decisões para reduzir os resíduos plásticos de uma maneira informada”, adiantou, citado no comunicado.

Algo que ficou claro à partida é que, se não começarmos a reduzir seriamente a produção de plástico e a aumentar a reutilização e reciclagem, serão os países mais pobres que sofrerão mais com a poluição por plástico – desproporcionalmente. A quantidade de resíduos plásticos sem tratamento será 4,8 vezes superior em 2050 no Sul Global do que nos países da América do América do Norte, na União Europeia e na China, todos juntos.

Injustiça ambiental

O lixo plástico está a asfixiar os cursos de água, a extravasar de aterros, a causar doenças – a gerar ainda mais problemas de injustiça ambiental do que os que já são causados pelas alterações climáticas, que afectam também mais os países com menos recursos económicos.

“Os países em desenvolvimento têm uma parcela muito maior da população mundial do que a América do Norte e a União Europeia. Se começarem a usar tantos plásticos como os do mundo mais rico, terão grandes problemas”, comentou Nivedita Biyani, que investiga a poluição por plásticos a nível mundial, citada no comunicado de imprensa.

Mas não tem de ser assim. Se forem seguidas todas as políticas recomendadas, é possível chegar a um cenário em que não há resíduos de plástico por tratar. “Espero que os líderes da América do Norte e da Europa se comprometam com um tratado de elevada ambição, para ajudar outros países a avançar rapidamente numa solução para este problema”, disse Biyani.

E que políticas são essas que os cientistas recomendam, com base na ferramenta de análise que desenvolveram?

  • Compromisso de um mínimo de conteúdo reciclado, que estabeleça a exigência de alguns plásticos serem fabricados com um mínimo de 30% de materiais reciclados. Seria possível reduzir a quantidade de resíduos não tratados em 31% até 2040.
  • Limitar a produção de plástico virgem a partir de 2025 poderia reduzir a quantidade de resíduos não tratados em cerca de 15% em 2040, e 26% em 2050
  • Investimento em infra-estruturas de tratamento de resíduos de plástico
  • Investimento em nova capacidade de reciclagem
  • Pequena taxa sobre embalagens de plástico, como sacos

“Não vamos conseguir resolver este problema apenas com a reciclagem”, avisou Nivedita Biyani. “Os países e as empresas têm de colaborar para ajudar a reduzir a quantidade de plásticos que acabam nos oceanos, e outros ambientes naturais. As empresas que produzem artigos de consumo rápido podem ter fazer uma grande diferença, se repensarem as suas escolhas de embalagem”, salientou.

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