Buscas na residência oficial não visaram gabinetes de trabalho de Costa

Demissão foi decidida depois do comunicado da PGR que tornou público o processo-crime, mas antes das buscas na residência oficial, realizadas ao mesmo tempo que o primeiro-ministro falava ao país.

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António Costa falou aos jornalistas no salão da residência oficial ao mesmo tempo que havia buscas no gabinete de Vítor Escária. Nuno Ferreira Santos
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As buscas realizadas na residência oficial do primeiro-ministro, na terça-feira, não visaram qualquer sala do edifício destinada a António Costa; concentraram-se exclusivamente no escritório atribuído a Vítor Escária, o chefe do gabinete do primeiro-ministro detido logo ao início da manhã. Começaram pelas 14h, estavam a decorrer quando António Costa fez a declaração ao país no salão principal do palácio, cheio de jornalistas e câmaras de televisão, e prolongaram-se até depois da hora de jantar.

As diligências realizadas em todo o país, porém, começaram pelas 7h, com a distribuição de agentes pelos 42 locais de buscas. Na residência oficial do primeiro-ministro apenas foi fechado o gabinete de Vítor Escária, uma vez que o mandado se destinava exclusivamente a esse espaço, mas aqui as buscas só começaram pela hora de almoço. Porque o juiz, o procurador e os elementos da PSP e da Autoridade Tributária destacados para executar os mandados referentes ao chefe de gabinete do primeiro-ministro foram primeiro, de manhã, fazer buscas à casa de Vítor Escária, onde foi detido, e só depois, pela hora de almoço, entraram no Palácio de São Bento, apurou o PÚBLICO.

Nas buscas ao gabinete de Vítor Escária não foi apreendido qualquer material directamente ligado ao primeiro-ministro, mas a prova digital recolhida, como agenda electrónica, emails, conversas por sms e Whatsapp, será analisada nas próximas semanas e só então se poderá verificar se existem referências a António Costa.

Esta fita do tempo dos acontecimentos no Palácio de São Bento significa que o primeiro-ministro, que esteve por duas vezes no Palácio de Belém com o Presidente da República durante a manhã (cerca das 10h30 e depois já às 13h), tomou a decisão de pedir demissão depois do comunicado da Procuradoria-geral da República, que foi divulgado aos órgãos de comunicação social pelas 12h10, mas antes de se efectuarem as buscas no gabinete de Vítor Escária na residência oficial.

Esse comunicado, elaborado pelo director do DCIAP e validado pela procuradora-geral da República, Lucília Gago, rematava com um parágrafo demolidor para António Costa. "No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto supra-referido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente", lia-se no documento elaborado pelo director do DCIAP - Departamento Central de Investigação e Acção Penal e divulgado pelo gabinete de imprensa da Procuradoria-geral da República.

Pela descrição da PGR, não se trata da existência de escutas a António Costa mas sim de suspeitos no processo que terão feito referências ao primeiro-ministro e à possibilidade de este ter alguma intervenção no desbloqueio de decisões fundamentais para as empresas e gestores envolvidos nos negócios investigados. Também não é a mesma escuta validada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça há quase três anos, relativa a uma conversa de João Pedro Matos Fernandes com António Costa, quando o então ministro do Ambiente e Acção Climática estava sob escuta no âmbito da investigação criminal relacionada com o mega-projecto de 1,5 mil milhões de euros na área do hidrogénio verde em Sines​. Nessa altura, haveria três escutas envolvendo o primeiro-ministro mas apenas uma foi validada pelo então presidente do Supremo, Joaquim Piçarra.

No final da semana passada, o seu sucessor no Supremo Tribunal, Henrique Araújo, lamentou, em entrevista ao jornal Nascer do Sol, o aumento dos casos de corrupção, o facto de os resultados da investigação a este crime ficarem muito aquém do desejado e de "nada" ter mudado de significativo na Justiça nos últimos anos. Defendeu a autonomia financeira do Conselho Superior da Magistratura e criticou: "A Justiça não é uma prioridade para o poder político (...) Não vejo que haja, por parte dos responsáveis políticos, a vontade de alterar alguma coisa."

Por diversas vezes, nos 17 minutos de declarações que prestou aos jornalistas no salão da sua residência oficial na terça-feira, o primeiro-ministro salientou em tom crítico o facto de ter tido conhecimento de que é visado num processo-crime através de uma nota de imprensa - guião usado também, ao fim da tarde, pelo presidente do partido, Carlos César, para se pronunciar sobre a demissão do chefe do Governo. Tendo em conta que se trata do primeiro-ministro, todos os passos necessários para a investigação têm que ser validados pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

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