A investigação do Ministério Público revelada na terça-feira, que abrange concessões de lítio, uma central de hidrogénio verde (que nunca se concretizou) e um data center em Sines, levou à demissão do primeiro-ministro, António Costa, e tem entre os seus arguidos o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta. Entre os projectos em causa estão as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas), no distrito de Vila Real. Os dois projectos mineiros obtiveram Declarações de Impacte Ambiental (DIA) favoráveis, mas condicionadas à concretização de medidas de compensação e de mitigação.
Em que ponto ficam agora estes projectos cuja aprovação poderá ter sido influenciada de forma ilegal? Será talvez demasiado cedo para saber se haverá consequências directas desta investigação, nomeadamente uma eventual impugnação das decisões tomadas pela APA, mas outras acções estão em curso.
Na terça-feira, a presidente da Câmara de Montalegre, socialista Fátima Fernandes, afirmou ao PÚBLICO que está a ser preparada uma acção administrativa no tribunal para impedir que a mina do Romano, projecto da Lusorecursos no concelho que teve luz verde da APA, avance para a fase de exploração.
Também o social-democrata Fernando Queiroga, presidente da Câmara de Boticas, confirmou que a câmara tem estado a preparar uma acção judicial de impugnação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) “favorável condicionada” da APA, que foi emitida no final de Maio. A acção deverá ser submetida até ao final deste mês.
Já em Fevereiro de 2022, antes da emissão da DIA, a junta de freguesia de Covas do Barroso interpôs uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal contra o Estado Português e o Ministério da Economia por causa da exploração de lítio na mina do Barroso. De acordo com a agência Lusa, a empresa Savannah Resources já se constituiu como contra-interessada no processo, através da sua subsidiária em Portugal, a Savannah Lithium.
"Prossegue sem qualquer impedimento"
Esta terça-feira ainda, a Savannah Resources Plc emitiu um comunicado afirmando que teve "conhecimento das acções levadas a cabo” pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). “No âmbito destas acções, a Savannah confirma que os funcionários responsáveis pela investigação estiveram [na terça-feira] em locais relacionados com os negócios da empresa em Portugal”, relata a empresa.
“A Savannah colaborou totalmente com os responsáveis pela investigação e continuará a fazê-lo. Nem a Savannah nem nenhum dos seus directores ou funcionários foram constituídos arguidos.” A Savannah anunciou ainda que “fará outras declarações sobre esta investigação do DCIAP, se apropriado”.
E o projecto, em que pé ficará agora que se conhecem as suspeitas na atribuição da autorização da APA? “A empresa confirma que o Projecto Lítio do Barroso prossegue sem qualquer impedimento enquanto decorre a investigação do DCIAP”, lê-se no comunicado enviado ao PÚBLICO. A licença de exploração mineira do projecto, emitida em 2006, continua activa, e “a Savannah tem conduzido e conduzirá sempre a sua actividade de uma forma totalmente legal e transparente”.
A Lusorecursos não respondeu aos pedidos de esclarecimento do PÚBLICO sobre como tem avançado o projecto e se a empresa teme alguma medida preventiva que interrompa os trabalhos mediante a investigação que agora decorre.
Também a APA não respondeu às questões colocadas pelo PÚBLICO sobre que condições seria necessário reunir para que as Declarações de Impacte Ambiental sejam invalidadas, caso se confirme que houve influências indevidas no processo de autorização.
“Eles não param”
Tendo em conta que ambas as empresas tiveram Declarações de Impacte Ambiental favoráveis condicionadas à concretização de medidas de compensação e mitigação das populações e territórios, a realidade é que ambos os projectos ainda estão longe de ser concretizados.
O presidente da Câmara de Boticas explica que a APA concedeu 12 meses à empresa para “remendar ou corrigir as condicionantes” colocadas. A empresa tem, desde então, estado a trabalhar para resolver esses entraves, mas desde essa altura não pediu novas reuniões com a câmara, lamenta o autarca.
“Eles não param, mas a junta e o concelho também não vão parar”, reforça Fernando Queiroga. “Se antes achávamos que tínhamos razão, agora mais razão temos”, reforça.