Lista Vermelha: um quinto das espécies europeias estão ameaçadas de extinção

Das 14.669 espécies de animais e plantas incluídas em listas vermelhas, 2839 estão ameaçadas. Insectos em perigo são o dobro do estimado.

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O gafanhoto Prionotropis rhodanica que habita nas estepes no Sul da França está criticamente em perigo Axel Hochkirch
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Cerca de uma em cada cinco espécies de animais e plantas europeus incluídas em listas vermelhas de espécies está em risco de extinção, aponta uma nova estimativa. Esta é a primeira grande conclusão de um estudo que reuniu dezenas de investigadores que analisaram as várias listas vermelhas da União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN) publicadas tanto para a fauna como para a flora europeia desde 2006 até ao final de 2020. O estudo foi publicado nesta quarta-feira, na revista Plos One.

A Lista Vermelha das espécies é um inventário do estado de conservação da vida. Para cada espécie (animal, planta, fungo ou outro tipo de organismo) é analisado o tamanho da população, a sua distribuição geográfica e as ameaças a que está submetida. A partir daqui, é possível avaliar o perigo de extinção e atribuir um estatuto de conservação, que pode ir de “menos preocupante” até ao “extinto”. Ao repetir-se esta avaliação a cada período de anos, obtém-se a evolução do estado de conservação de um dado organismo: se está a caminhar para a extinção ou não, se os esforços de conservação encetados estão a resultar ou não.

A partir da informação que está nas listas vermelhas, o objectivo do novo estudo foi o de avaliar o número total de espécies em perigo, as principais ameaças à biodiversidade, as regiões com maior biodiversidade e quais as espécies que estão em áreas protegidas, entre outros aspectos da conservação – ou seja, produziu-se um panorama acerca do estado da biodiversidade da Europa e das suas ameaças, possibilitando uma melhor fundamentação para políticas de conservação futuras.

Ao todo foram analisadas 14.669 espécies, cerca de 10% das espécies de flora e de fauna que existem na Europa. Daquelas 2839 estão ameaçadas. “Os nossos resultados revelam que 19% das espécies europeias estão ameaçadas”, lê-se logo no resumo do artigo. “O maior risco de extinção é para as plantas (27%) e invertebrados (24%), comparado com o dos vertebrados (18%).”

Apesar de os resultados serem relativos à vida selvagem europeia, eles obrigam a redimensionar o estado da biodiversidade mundial. Pelo que se sabe, os riscos de extinção calculados para os diversos grupos de espécies na Europa “não se desviam grandemente” dos riscos de extinção a nível mundial, de acordo com o artigo. Por isso, os novos resultados obrigam a um alerta renovado.

“O nosso estudo aumenta a estimativa de espécies ameaçadas a nível mundial de um para dois milhões de espécies”, adianta ao PÚBLICO Axel Hochkirch, investigador do Museu Nacional de História Natural do Luxemburgo, que dirigiu o trabalho. “A principal razão é que agora temos melhor informação sobre o estado dos insectos, que estão tão ameaçados como outros grupos de espécies”, explica, por correio electrónico.

Em 2019, a Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES, sigla em inglês), uma plataforma equivalente ao Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), mas para o estado da biodiversidade e dos ecossistemas, tinha estimado que 10% dos insectos estavam em risco de extinção, embora assumisse um desconhecimento importante no caso de grupos de insectos com uma grande diversidade a nível mundial.

Os novos resultados para a Europa, de 24% de espécies de insectos ameaçadas, obrigam por isso a aumentar a estimativa mundial, “já que os insectos representam cerca de dois terços de todas as espécies”, recorda Axel Hochkirch. “Isto faz uma diferença enorme”, adianta.

Espécies únicas em perigo

Além dos grupos mais conhecidos de animais, como os mamíferos, as aves, os répteis, os anfíbios e os peixes, todos vertebrados, o estudo incluiu insectos como abelhas, borboletas, besouros, gafanhotos, grilos, libelinhas, e moluscos terrestres e de água doce, todos invertebrados. No caso da flora, foram incluídas todas as espécies de fetos, orquídeas, árvores, plantas aquáticas e briófitos, além de algumas espécies de arbustos, plantas medicinais, os parentes selvagens de espécies importantes a nível agrícola e outras espécies.

Observando a distribuição geográfica de todos aqueles organismos, é possível identificar as geografias mais ricas. “O nosso estudo também mostra que os sistemas montanhosos europeus têm um número extraordinariamente alto de espécies e são, por isso, importantes para a conservação da biodiversidade”, diz Axel Hochkirch. O Sul dos Alpes, o Leste dos Pirenéus e as montanhas Pirin, na Bulgária, foram as geografias onde se detectaram o maior número de espécies.

“Os ecossistemas de montanha são fundamentais, porque são centros de endemismo, de congregação de espécies que se especializaram e se adaptaram a viver naqueles ambientes”, diz, por sua vez, Catarina Ferreira, bióloga portuguesa que ajudou a coordenar o estudo enquanto investigadora do Centro para a Investigação Ambiental Helmholtz, em Leipzig, na Alemanha.

Muitas daquelas espécies “não se encontram em mais lado nenhum do mundo – o que aumenta ainda mais a responsabilidade da Europa na sua protecção”, afirma a investigadora, que falou ao PÚBLICO a partir do Canadá, onde coordena o programa de monitorização das áreas protegidas geridas pelo Departamento de Ambiente de Alterações Climáticas do Governo daquele país.

Ao todo 6926 ou 47% das 14.669 espécies europeias analisadas são endémicas, incluindo 2125 de espécies ameaçadas. Nos invertebrados, a questão é mais gritante: 86% das espécies ameaçadas daquele grupo são endémicas.

“A Europa tem uma responsabilidade acrescida na conservação destas espécies de invertebrados”, afirma Catarina Ferreira, apontando que metade das espécies em perigo de extinção não habitam territórios que sejam alvo de protecção, como as zonas que pertencem à Rede Natura 2000. “Isso é importante, quando se consideram estratégias de conservação ligadas à extensão das redes de áreas protegidas na Europa ou ao redesenho das áreas actuais de zonas protegidas”, diz.

O impacto surpreendente da agricultura

Há várias ameaças que estão a pôr em perigo a existência das espécies europeias, desde a poluição, a caça e a pesca em excesso até ao crescimento das cidades e as alterações climáticas. Mas o maior perigo, pelo menos para as espécies terrestres, é a alteração da actividade agrícola, cuja intensidade, uso de maquinaria, produtos químicos e simplificação do uso da terra põe em perigo a biodiversidade.

“A nossa análise é a mais compreensiva e inequívoca até agora, reafirmando a magnitude e o impacto desta ameaça a nível continental”, lê-se no artigo. “Muitas espécies europeias necessitam e estão adaptadas ao uso do solo feito pela agricultura tradicional, mas não podem enfrentar a magnitude desta mudança.”

Axel Hochkirch explica o que significa aquela mudança. “A agricultura não é em si mesma um problema. De facto, muitas espécies europeias estão adaptadas à agricultura tradicional”, refere. “O principal problema são as mudanças rápidas no uso de terra agrícola. Durante as décadas passadas, as máquinas tornaram-se maiores e mais rápidas, os campos tornaram-se maiores e menos estruturados, novos pesticidas e fertilizantes estão a ser usados, o gado local tradicional está a ser substituído por raças bovinas mais produtivas, e campos agrícolas mais pequenos e marginais estão a ser abandonados. O abandono de pastagens marginais é uma ameaça a muitos insectos e plantas.”

Para Catarina Ferreira, apesar de se conhecer os problemas causados pela agricultura intensiva, o estudo revelou um impacto tão grande que a surpreendeu. “O que é novo é a magnitude e a consistência com que esta ameaça sobressaiu nos resultados. É o factor mais importante para todas as espécies, da abelhinha até ao lince, ao urso”, diz.

O que fazer para alterar esta situação? “A natureza é um aliado do sector agrícola e eu sei que o sector agrícola está plenamente consciente disso. Portanto, é uma questão de construir alianças para se tentar encontrar soluções que sirvam todas as partes”, responde Catarina Ferreira. Trata-se de encontrar soluções que sirvam tanto o sector agrícola como a conservação da natureza. “A agricultura é uma actividade humana que é necessária e tem de continuar a existir. Agora, tem consequências ambientais que são importantes e nos afectam: a nossa saúde, o nosso bem-estar. Não podem ser menosprezadas”, defende. “Os próprios agricultores necessitam de muitos insectos polinizadores.”

Mas a política a nível europeu também tem um papel nesta mudança, argumenta Axel Hochkirch. “Irá ser importante reconfigurar a Política Agrícola Comum para que dê apoio aos pequenos agricultores (que estão a abandonar cada vez mais os campos) e promova a heterogeneidade”, defende o investigador. “Tem de haver uma melhor compensação financeira para a agricultura orgânica.”