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"Obviamente, apresentei a minha demissão". As declarações de Costa ao fechar a porta

Primeiro-ministro criticou o facto de ter conhecimento de processo-crime através de comunicado da PGR. Garante que não se recandidata. “É uma etapa que se encerra.”

"É meu entendimento que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e menos ainda com a suspeita da prática de qualquer acto criminal. Por isso, nesta circunstância, obviamente, apresentei a minha demissão a sua excelência o sr. Presidente da República." Foi esta a justificação de António Costa para, perante a notícia de que está a ser investigado num processo-crime, pedir a demissão a Marcelo Rebelo de Sousa e este, segundo o primeiro-ministro, não questionou a sua decisão.

O primeiro-ministro esteve em Belém duas vezes nesta manhã, depois de o Governo ter sido apanhado de surpresa com a operação da PSP que fez cinco detidos, entre eles o chefe de gabinete de Costa e o seu ex-consultor e amigo Diogo Lacerda Machado, e constituiu arguidos os ministros do Ambiente e das Infra-estruturas. À segunda, saiu demissionário.

Costa convocou então os jornalistas para a sua residência oficial (a mesma que foi alvo de buscas de manhã) e anunciou a sua decisão. Alegou desconhecer por que razão é investigado, defendeu a sua honra, criticou o facto de ter sabido da sua condição por um comunicado de imprensa, garantiu que não se recandidata ao cargo, prometeu colaborar com a justiça e ainda deixou agradecimentos aos partidos da geringonça.

Ficou por saber durante quanto tempo ainda terá que se manter em funções, mas isso depende do Presidente da República. "Compete ao Presidente da República, aceite a demissão, decidir como prosseguirá e quais os próximos passos. A última coisa que farei é, neste momento, estar a condicionar ou a pronunciar-me publicamente sobre o que será a decisão que tomará", respondeu, quando questionado pelos jornalistas sobre os passos que se seguem. "O Presidente, com grande simpatia, não questionou as minhas razões; compreendeu-as de imediato."

"Esta é uma etapa da vida que se encerra e que encerro com a cabeça erguida, a consciência tranquila e a mesma determinação de servir Portugal e os portugueses exactamente da mesma forma como no dia em que aqui entrei pela primeira vez como primeiro-ministro", havia salientado ainda durante a sua intervenção inicial de menos de cinco minutos.

"Quero dizer, olhos nos olhos aos portugueses, que não me pesa na consciência a prática de qualquer acto ilícito ou sequer de qualquer acto censurável", afirmou, depois de se dizer "surpreendido" pela informação oficialmente confirmada pelo gabinete de imprensa da PGR de que "já foi ou irá ser instaurado um processo-crime" contra si. Disse "confiar totalmente" no funcionamento da Justiça, a mesma que, lembrou, serviu muitos anos como governante e cuja independência tem defendido.

Questionado sobre se nada do que veio a público nesta terça-feira sobre investigações no âmbito dos negócios do lítio e do hidrogénio era do seu conhecimento - o Supremo validou, há quase três anos, uma escuta entre Costa e Matos Fernandes no caso do hidrogénio -, o primeiro-ministro não vacilou: "Desconhecia em absoluto a existência de qualquer processo e a nota do gabinete de imprensa da PGR não explicita a que actos, momentos, processo é que se refere. A única coisa que dizem é que haverá um inquérito e que decorrerá no Supremo Tribunal de Justiça." Uma ideia que repetiu várias vezes ao longo das quatro respostas que deu aos jornalistas. "Nunca ouvi falar deste processo, desconhecia a sua existência."

Noutras ocasiões, António Costa manteve no seu executivo governantes que até já eram arguidos, como aconteceu com os secretários de Estado Susana Amador e Miguel Alves, mas, em resposta ao PÚBLICO, considerou que "há uma distinção entre ser primeiro-ministro e ter outras funções no Governo". Admitiu que entende que "o facto de ser arguido não é sequer um motivo para determinar a demissão porque o estatuto de arguido não é uma presunção de culpabilidade; é, pelo contrário, um estatuto que reforça as garantias de defesa dos cidadãos. "

"Eu não sou arguido nem sei quais as práticas e actos sobre os quais há qualquer tipo de suspeição, mas a função de primeiro-ministro é distinta dos outros membros do Governo", argumentou. "E o prestígio das instituições democráticas, que me cabe acima de tudo preservar, torna incompatível que [me] mantenha em funções (...) quando tomo conhecimento que ou já foi ou vai ser aberto um processo-crime concreto contra mim​."

Haveria também de garantir que não se vai recandidatar ao cargo de primeiro-ministro (depois de uma réplica azeda a um jornalista da rádio que estava a fazer o relato em directo da comunicação). "É uma etapa da [minha] vida que se encerrou. Como sabemos, os processos-crime raramente são rápidos e não ficaria certamente a aguardar a conclusão do processo-crime para tirar outra ilação. No julgamento que mais me importa, que é o da minha consciência, estou totalmente tranquilo e não tenho a menor dúvida que não me pesa na consciência qualquer acto ilícito ou censurável."

Passando em revista as funções políticas que assumiu, boa parte delas ligadas à Justiça, disse orgulhar-se de ter contribuído, como ministro, para a criação da "base essencial do que são hoje os instrumentos legais de combate à criminalidade económica e financeira, à corrupção e referentes aos crimes de titulares de cargos políticos", que classificou como "arsenal legislativo" que está ao serviço do sistema judiciário. E até citou o director nacional da Polícia Judiciária - preterida neste processo pelo DCIAP, que preferiu a PSP - para dizer orgulhar-se de este serviço ter actualmente os maiores meios de sempre para combater a corrupção e a criminalidade económica e financeira.

Mas realçou que uma das qualidades da democracia é saber-se "que ninguém está acima da lei e que ninguém se pode intrometer na sua aplicação, seja autarca, ministro ou primeiro-ministro". "Sempre entendi que é uma mais-valia; não é hoje que entendo que seja uma menos-valia."

Ao anunciar que apresentou a demissão em Belém, Costa agradeceu aos portugueses, aos órgãos de soberania - ao Presidente e ao Parlamento pela "saudável solidariedade institucional" -, regiões autónomas, autarquias e parceiros sociais, não esquecendo os membros dos seus três governos, os líderes partidários e os partidos da oposição, incluindo os da "geringonça", e à família.

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