Ambientalistas temem que processo do lítio retire confiança à transição verde

Ambientalistas temem que processos do lítio e do hidrogénio, que levaram à demissão do primeiro-ministro António Costa, retirem confiança e transparência ao “crucial” processo de transição climática.

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Projecto de exploração de lítio na aldeia de Morgade, em Montalegre, deixou a população descontente Adriano Miranda
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Os ambientalistas portugueses temem que os processos do lítio e do hidrogénio verde, que levaram à demissão do primeiro-ministro António Costa, retirem confiança e transparência ao “crucial” processo de transição energética e climática.

“É efectivamente lamentável que todas estas suspeitas e polémicas recaiam sobre áreas urgentes e cruciais da transição energética e climática, mesmo que polémicas e contenciosas junto da população e em termos ambientais”, afirma ao PÚBLICO Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

O dirigente da Zero sublinha que é “fundamental” assegurar “uma transparência exemplar e confiança nos processos de decisão” que condicionam as opções técnicas e políticas. “Em causa pode estar Portugal atrasar-se demasiado nesta transição por causa destes percalços”, alerta Francisco Ferreira.

Outra inquietude da Zero reside em ter “garantias de que os processos de avaliação de impacto ambiental (e as decisões daí decorrentes) são rigorosas, transparentes e adequadas na defesa dos valores naturais, paisagísticos, das populações e também da economia”.

Por outras palavras, a associação considera importante que a decisão de avançar, por exemplo, com a exploração de lítio em minas como a do Romano (Montalegre) ou do Barroso (Boticas), as duas que são visadas no processo, observe escrupulosamente as etapas necessárias em termos de apreciação dos custos ambientais envolvidos.

Cortar cantos nas avaliações

Opinião semelhante tem Jorge Palmeirim, biólogo e presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), para quem é fundamental haver avaliações de impacto ambiental cuidadosas, mesmo que isso implique um prazo mais alargado. Como uma das pessoas envolvidas no processo é o próprio presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, Jorge Palmeirim considera a hipótese de estar em causa a componente ambiental dos licenciamentos.

“A impressão que ficamos é que terá havido alguma legislação relativa ao licenciamento desses processos que não foi respeitada. E isso, infelizmente, é algo que nos preocupa muito. Vimos por parte dos Governos, incluindo este, uma tentação de encurtar tempos de licenciamento. E estes passos são fundamentais na avaliação de projectos que podem ter um impacto muito significativo na vida dos cidadãos”, refere o dirigente da LPN.

Jorge Palmeirim frisa que a LPN “vê com bons olhos” a transição verde, mas que esta não pode singrar a qualquer custo nem recorrer a aprovações tácitas. “No caminho para a minimização dos gases com efeito de estufa, parece que tudo vale, quase como se de repente passasse a ser possível cortar cantos nos processos de avaliação ambiental. Isto preocupa-nos muito caso tenha acontecido, o que ainda não está confirmado”, refere o biólogo.

Imagem do Estado em causa

O jurista e ambientalista João Dias Coelho, deputado social-democrata que já integrou a Comissão de Ambiente e Energia, também sublinha que parece ter havido “um avanço muito rápido” em projectos do lítio, com “um conjunto de irregularidades” e “questões que não foram devidamente estudadas”.

“O que é grave é a imagem pública do Estado”, afirmou ao PÚBLICO João Dias Coelho. O jurista espera que estes processos que levantam “uma malha de dúvidas” não constituam um obstáculo à transição energética. Mas, para isso, frisa que são necessárias “políticas de consenso e transparência”, incluindo iniciativas de sensibilização e diálogo com as comunidades envolvidas, numa lógica de “administração aberta”.

“As energias renováveis são uma aposta consolidada em Portugal. Os investimentos são bem-vindos, mas exigem bom senso e boas práticas”, resume João Dias Coelho, que já presidiu ao Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (Geota), mas não falou ao PÚBLICO na qualidade de representante da associação.

Todas as fontes ouvidas pelo PÚBLICO frisam que estão a comentar os processos do lítio e do hidrogénio “no abstracto”, uma vez que não são conhecidos ainda pormenores da investigação.