A comunidade internacional deu mais um passo, no último sábado, rumo à criação de um fundo para perdas e danos, destinado a ajudar os países mais vulneráveis afectados por desastres climáticos. O progresso foi feito apesar das reservas manifestadas pelos Estados Unidos (EUA) e por países em desenvolvimento.
O compromisso para a criação de um fundo para perdas e danos foi saudado como um avanço durante a Cimeira do Clima do ano passado (COP27), organizada pelas Nações Unidas (ONU) no Egipto. O acordo conseguiu ultrapassar anos de resistência das nações ricas e, por isso, mereceu aplausos dos negociadores de países em desenvolvimento.
Ao longo dos últimos 11 meses, contudo, os governos têm lutado para chegar a um consenso sobre os detalhes concretos do fundo, entre eles quem irá pagar e onde é que o fundo estará localizado.
Um comité especial da ONU encarregado de implantar o fundo reuniu-se pela quinta vez em Abu Dhabi esta semana — após um impasse no Egipto no mês passado — para finalizar recomendações que serão apresentadas aos governos durante a COP28, que se realiza a partir do dia 30 de Novembro no Dubai. O objectivo é activar o fundo até 2024.
O comité, que integra representantes de países de diferentes partes do planeta, decidiu recomendar que o Banco Mundial servisse como administrador do fundo. Esta sugestão constituiu um ponto de tensão, alimentando divisões entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento.
Alojar o fundo no Banco Mundial, cujos presidentes são nomeados pelos EUA, daria aos países doadores uma influência descomunal sobre este mecanismo de apoio a países afectados pelo clima. Os países em desenvolvimento, que em grande parte serão os beneficiários do fundo, argumentam ainda que esta solução implicaria o pagamento de taxas elevadas, além das dificuldades que têm actualmente para aceder a outros fundos disponibilizados pelo Banco Mundial.
Para conseguir a adesão de todos os países, foi acordado que o Banco Mundial alojaria e administraria o fundo apenas por um período de quatro anos.
Incertezas antes da COP28
Jennifer Morgan, enviada especial da Alemanha para o clima, disse numa publicação no X (antigo Twitter) que Berlim “está pronta para cumprir a sua responsabilidade”. “Estamos a trabalhar activamente para contribuir para o novo fundo e avaliar opções para fontes de financiamento mais estruturais”, escreveu a responsável na rede social.
Outros negociadores mostraram-se menos optimistas. “É um dia sombrio para a justiça climática, à medida que os países ricos voltam as costas às comunidades vulneráveis”, disse Harjeet Singh, chefe de estratégia política global da organização sem fins lucrativos Climate Action Network International.
“Os países ricos não só coagiram as nações em desenvolvimento a aceitarem o Banco Mundial como administrador do fundo de perdas e danos, mas também fugiram ao seu dever de liderança na prestação de assistência financeira a essas comunidades e países”, afirmou Harjeet Singh.
O comité também recomendou que os países desenvolvidos fossem instados a continuar a apoiar o fundo, mas não conseguiu decidir se as nações ricas estariam sob estrita obrigação financeira de contribuir.
“Lamentamos que o texto não revele consenso sobre a necessidade de esclarecer a natureza voluntária das contribuições”, disse à Reuters um funcionário do Departamento de Estado dos EUA.
Os EUA tentaram incluir uma nota de rodapé esclarecendo que quaisquer contribuições para o fundo seriam voluntárias, mas o presidente do comité não permitiu. Os EUA opuseram-se a essa recusa.
Sultan Ahmed Al-Jaber, gestor de uma petrolífera estatal e presidente da COP28, diz acolher favoravelmente as recomendações do comité e que estas abririam caminho para um acordo na COP28.