As alterações climáticas estão a acelerar e o mundo deverá ultrapassar o limiar de aquecimento de 1,5 graus Celsius ainda nesta década, de acordo com uma investigação publicada na quinta-feira. Esta conclusão poderá, acreditam os cientistas, fazer soar o alarme nas negociações climáticas da próxima Cimeira do Clima (COP28), que arranca no fim deste mês no Dubai.
Os países comprometeram-se, no Acordo de Paris de 2015, a limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius em relação à média das temperaturas pré-industriais, mas o novo artigo elaborado por uma equipa de cientistas, incluindo da agência espacial dos Estados Unidos (NASA) e da Universidade de Colúmbia, apresenta dados que sugerem que este objectivo já está fora de alcance.
A maioria dos cenários de emissões no âmbito do Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) prevê que o planeta ultrapasse os 1,5 graus Celsius durante a década de 2020.
“O limite de 1,5 graus Celsius está morto e enterrado”, disse o co-autor do estudo James Hansen, do Earth Institute da Universidade de Colúmbia, que foi um dos primeiros cientistas a alertar o mundo na década de 1980 para o impacto dos gases com efeito de estufa no aquecimento global.
“O grande erro da nossa comunidade científica é não deixar claro aos líderes políticos qual é a situação”, acrescentou James Hansen.
Já vamos em 1,2 graus Celsius
O mundo já aqueceu quase 1,2 graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais.
O estudo suscitou diferentes reacções de outros cientistas climáticos. Alguns questionaram as recentes descobertas, com Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia, a dizer num texto publicado num blogue que tais conclusões estavam "muito fora das conclusões da maioria".
O novo relatório surge após meses de choques climáticos extremos em todo o mundo, desde ondas de calor na China até graves inundações na Líbia. Estima-se que 2023 previsto venha a ser o ano mais quente desde que há registos.
A Cimeira do Clima vai reunir representantes de diferentes países, de 30 de Novembro a 12 de Dezembro, no Dubai, para discutir os esforços políticos globais necessários para controlar as emissões de gases com efeito de estufa.
Subestimar a sensibilidade da Terra
As conclusões do estudo, publicado na revista científica Oxford Open Climate Change, baseiam-se em dois factores. O primeiro deles diz respeito à sensibilidade da Terra a um dos gases com efeito de estufa.
Os cientistas subestimaram a sensibilidade do clima planetário ao aumento dos níveis de dióxido de carbono. O IPCC deu uma estimativa aproximada de que duplicar os níveis atmosféricos de dióxido de carbono causaria um aquecimento global de cerca de 3 graus Celsius.
Uma melhor compreensão dos dados climáticos antigos – recolhidos de fontes como núcleos de gelo e anéis de árvores – resultou numa estimativa mais elevada de cerca de 4,8 graus Celsius, de acordo com o mesmo estudo.
Até agora, as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono subiram de cerca de 280 partes por milhão (ppm) na época pré-industrial para cerca de 418 ppm hoje.
Outro factor citado pelo relatório é o progresso da China no combate à poluição atmosférica, causada principalmente pelo dióxido de enxofre libertado pelas centrais eléctricas a carvão, juntamente com os esforços globais para reduzir essas emissões provenientes do transporte marítimo.
Limpar os céus, ao mesmo tempo que proporciona benefícios para a saúde e salva vidas, acelera as alterações climáticas. Os aerossóis dispersam e reflectem a radiação solar.
Mann, da Pensilvânia, contestou a ideia de que os modelos subestimassem a sensibilidade climática, bem como o impacto da queda nas emissões de dióxido de enxofre provenientes do transporte marítimo.
Outros especialistas disseram que o estudo era consistente com outras investigações recentes. “Tudo está a acelerar”, disse o climatologista Klaus Hubacek, da Universidade de Groningen, na Holanda.
No início desta semana, um estudo publicado na revista Nature Climate Change sugeriu que o mundo precisaria de atingir zero emissões líquidas até 2034 para ter 50% de hipóteses de conter o aquecimento até 1,5 graus Celsius, muito antes do objectivo global de 2050.