Há associações entre coisas aparentemente desconexas que, uma vez enunciadas, nos parecem óbvias para sempre. Por exemplo: certa vez li que a criação de redes de abastecimento em meios rurais pode contribuir para a igualdade de género. Como assim? Ora bem, se uma comunidade atribui às meninas a responsabilidade de ir buscar água à fonte, então o tempo gasto com essa tarefa talvez possa ser usado para ir à escola. Ou para estudar. E, havendo electricidade, as horas de leitura deixam de ser limitadas pela luz solar. Simples assim.

O mesmo aconteceu comigo quando, pela primeira vez, fui interpelada pela relação íntima entre clima e saúde. Em 2015, foi-me pedido que entrevistasse Christiana Figueres, a diplomata costa-riquenha que liderou as negociações para o Acordo de Paris, semanas antes da famosa Cimeira do Clima (COP21) na capital francesa. A conversa gravitou à volta das alterações climáticas e da importância de incluir a saúde na mesa de negociações. Pareceu-me, na altura, uma lufada de ar fresco. Hoje estes dois temas são quase indissociáveis.

"A crise climática é uma crise de saúde, provocando eventos climáticos mais graves e imprevisíveis, alimentando surtos de doenças e contribuindo para taxas mais elevadas de doenças não transmissíveis", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, director da Organização Mundial da Saúde (OMS), por ocasião do lançamento do relatório anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM) esta quinta-feira. As duas agências das Nações Unidas (ou seja, a OMS e a OMM) uniram esforços e criaram um departamento onde podem pensar soluções de forma integrada.

E o que diz o relatório? Entre outras coisas, o documento revela que apenas 54% dos países afectados pelo calor extremo têm acesso a serviços de aviso precoce. Por outras palavras, metade das nações que enfrentam ondas de calor não dispõe, neste momento, de informação atempada para alertar e proteger as populações. De todos os fenómenos climáticos extremos, as ondas de calor são os que causam a maior taxa de mortalidade.

Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, alertou esta quinta-feira que podemos estar a deitar ao lixo muitos dos progressos que fizemos na área da saúde e do bem-estar. Se continuarmos a encher a única atmosfera que temos com carbono, será enorme o impacto na saúde humana, animal e ambiental (as três estão interligadas, são uma só saúde). E, do mesmo modo que nem todas as nações têm hoje bons serviços meteorológicos, nem todos os países podem contar com sistemas de saúde robustos para, ao mesmo tempo, tratar doenças crónicas e emergências médicas.

Da poluição do ar às doenças infecciosas, são inúmeros os exemplos do clima a interferir na saúde dos seres vivos. Esta semana, contamos como cientistas acreditam ter desvendado a morte misteriosa de centenas de elefantes em África. A "culpada" será uma nova bactéria que provoca septicemia nesses grandes mamíferos. Acredita-se que, como os animais estavam a enfrentar um grave período de seca, se encontravam num estado de forte stress fisiológico. E, portanto, mais susceptíveis a desenvolver doenças infecciosas.

"Suspeitamos que estas mortalidades foram causadas por uma combinação de factores, incluindo o stress, embora isto precise de ser mais estudado. Precisamos de manter a mente aberta sobre o panorama geral dos factores ambientais que podem influenciar esta doença, além das bactérias", disse-nos a cientista Laura Rosen, que trabalha como epidemiologista no Zimbabwe.

As relações entre saúde e ambiente também podem apresentar-se de forma mais intrincada. Esta semana também noticiámos um estudo científico que associa a expansão alucinada da soja no Brasil ao aumento de casos de leucemia infantil.

Hectares e mais hectares de floresta amazónica e cerrado deram lugar à pecuária extensiva e, mais tarde, à agricultura intensiva. Esta súbita e desenfreada mudança do uso do solo, um problema que também está na origem da crise climática, traz por arrasto um uso desregrado de pesticidas e herbicidas. Os cientistas mostram como, estatisticamente, a subida da taxa de mortalidade por um tipo de cancro pediátrico acompanha o aumento do uso de substâncias químicas agrícolas. As águas superficiais, muitas vezes utilizadas como fonte de água potável, terão intoxicado várias comunidades.

Saúde e clima andam cada vez mais de mãos dadas. Se em 2009, na Cimeira de Copenhaga (COP15), a saúde foi praticamente ignorada, merecendo uma única referência nas 200 páginas do texto final, hoje a intersecção entre as duas esferas conquistou um lugar cativo nas negociações climáticas. "Pela primeira vez, teremos um dia inteiro da COP28 dedicado à saúde", disse esta quinta-feira Maria Neira, directora do departamento de saúde e ambiente da OMS, referindo-se à cimeira que se realiza a partir de 3o de Novembro no Dubai. Faz todo o sentido que assim seja, mas nem sempre as coisas foram vistas assim.