João Paulo Correia e o Mundial 2030: “Teremos mais de uma dezena de jogos em Portugal”
Secretário de Estado do Desporto sublinha que o torneio terá a marca da sustentabilidade, fala em 30 centros de treinos disponíveis e garante que nunca foi hipótese construir um novo estádio.
No exacto dia em que foi entregue na FIFA, pelas federações portuguesa, espanhola e marroquina, a carta de intenções com vista à organização do Mundial 2030, o PÚBLICO e a Rádio Renascença ouviram o secretário de Estado da Juventude e do Desporto sobre o tema. João Paulo Correia garante que a construção de um novo estádio nunca foi equacionada, admite a realização de mais de uma dezena de jogos em Portugal e não descarta que o país seja solução para as fases mais adiantadas do torneio, ao mesmo tempo que abre a porta a um regime de isenção fiscal circunscrito para o promotor e organizador da prova.
Agora que foi entregue a carta de intenção de Portugal, Espanha e Marrocos, o que nos pode adiantar sobre o dossier de candidatura ao Mundial 2030 que está a ser preparado para a FIFA?
O que foi entregue foi precisamente uma carta de intenção, subscrita pelas três federações, e essa carta vai evoluir agora para uma candidatura. E essa candidatura será entregue dentro de alguns meses. Quando for entregue, teremos oportunidade de responder a muitas perguntas a que hoje não é possível responder.
A carta de intenção apresentada em Rabat aponta para um Mundial que, nas palavras do presidente da FPF, será “único e inspirador”. Seguramente já trocaram impressões sobre o que pode tornar este Mundial diferenciador...
O Governo desde a primeira hora que apoia esta candidatura. Temos vindo a acompanhar o evoluir da candidatura até à decisão recente da FIFA de convidar as três federações para organizarem o Mundial 2030. Há decisões que estão tomadas. Importa dizer, repetidamente, que Portugal só tem três estádios que cumprem os requisitos da FIFA, os estádios de Alvalade, da Luz e do Dragão. Nunca esteve em cima da mesa construir um estádio novo para o Mundial 2030. Não haverá construção de novos estádios e isso significa que há uma outra dimensão da candidatura, nas áreas dos centros de treino, que ficarão à escolha das selecções que se qualificarem para o Mundial. Estarão nessa lista mais de 30 centros de treino e de estágio que já existem em Portugal. São muitos clubes de topo que anualmente já procuram os nossos centros de treino e de estágio, por isso, esse cartão-de-visita também tem que ser utilizado para rentabilizar a oferta de condições desportivas do melhor que o mundo tem. As palavras do dr. Fernando Gomes, na qualidade de presidente da FPF [Federação Portuguesa de Futebol], são palavras de quem tem a certeza que este será o melhor Mundial que o mundo do futebol já viu. Tem de ser um Mundial marcado pela sustentabilidade: a sustentabilidade ambiental, desde logo, mas também a sustentabilidade económica e social.
Que significado atribui ao facto de a carta de intenção de Portugal, Espanha e Marrocos ter sido apresentada em Rabat e não em Lisboa ou Madrid?
A candidatura tem tido várias fases. Há três países envolvidos, através das suas federações desportivas, com o apoio dos Governos. Foi decidido fazer o momento da entrega da carta de intenções em Marrocos, como haverá outros momentos especiais da candidatura que serão realizados em Espanha e em Portugal.
Como confirmou há pouco, Portugal entrará no projecto de candidatura com os estádios da Luz, do Dragão e de Alvalade. Nenhum deles precisará de intervenção, tendo em conta que em 2030 serão recintos com mais de 25 anos?
Com certeza que haverá vistorias e essas vistorias provavelmente poderão apontar alguns ajustamentos e adaptações. Mas julgo que nesta fase dizer mais do que isto é prematuro. É verdade, em 2030 esses três estádios terão cerca de 26 anos, com uma taxa de utilização elevadíssima - receberam finais europeias, e isso diz bem que são estádios que têm oferecido as melhores condições que a UEFA procura para muitas das suas provas. Recentemente, a UEFA decidiu realizar em Portugal a final europeia da Liga dos Campeões feminina. É mais uma prova do reconhecimento do talento organizativo português.
O Mundial 2030 contempla 104 jogos. Já tem uma certeza quanto ao número de partidas que Portugal irá acolher e em que fases da competição, tendo em conta que a lotação dos estádios poderá ser uma barreira impeditiva de receber jogos a partir dos quartos-de-final?
Julgo que, neste momento, não há impossibilidades desse ponto de vista. Esta é a fase inicial da construção da candidatura e isso significa que teremos de esperar pela candidatura para perceber quantos jogos serão disputados em Portugal e até que fase da competição é que os nossos estádios servirão. Diria que teremos, no mínimo, uma dezena de jogos em Portugal e provavelmente mais do que uma dezena. Quanto à participação dos nossos estádios no modelo organizativo, é preferível aguardar pela entrega do dossier de candidatura.
A realização da final, das meias-finais ou mesmo dos quartos-de-final em estádios portugueses, está totalmente posta de parte?
Nesta altura não há portas fechadas. Está ainda a ser construído o dossier de candidatura.
Mas não o perturba o facto de Marrocos já ter assumido que quer acolher a final. Portugal não estará a ser já relegado para o último lugar da fila?
De todo. Portugal tem dado provas, através da FPF, de competência e também tem tido provas de reconhecimento por parte das instâncias internacionais, quer da FIFA, quer da UEFA. Essas declarações públicas são aceites com naturalidade, mas temos de nos fixar nas muitas provas de competência dadas pela FPF.
Neste contexto, é possível idealizar um Estádio do Dragão a funcionar como complemento aos grupos e jogos que Espanha pretende acolher na Corunha e em Vigo?
O dossier de candidatura começou a ser construído. Essas perguntas não cabem nesta fase inicial. Não quero estar a especular. Partilho apenas informação que é segura e a informação que é segura é que teremos três estádios, que estão construídos, nunca esteve em cima da mesa construir um novo estádio para o Mundial 2030. Teremos cerca de 30 centros de estágio para as selecções que participarão no Mundial e teremos mais de uma dezena de jogos nos estádios referidos, o Estádio da Luz, de Alvalade e do Dragão.
O que nos pode adiantar sobre o projecto de remodelação do Estádio Nacional? O investimento a realizar levará em conta a aproximação do Mundial de 2030?
O Governo deu o pontapé de saída naquilo que é uma velha ambição dos amantes do desporto em Portugal, que é a requalificação do Estádio do Jamor. Esse pontapé de saída foi dado com o acordo celebrado entre as federações de futebol, râguebi e atletismo e o IPDJ [Instituto Português do Desporto e da Juventude], com vista à requalificação. Estamos a falar de um património protegido, cuja requalificação terá de obedecer sempre às regras de protecção, e esta é a fase de lançamento do concurso de ideias. Torno a dizer: os únicos estádios inseridos por Portugal no dossier de candidatura para o Mundial 2030 são o Estádio da Luz, o Estádio de Alvalade e o Estádio do Dragão. O Centro Nacional do Jamor é um dos centros de estágio que serão disponibilizados às selecções durante o Mundial, quer às selecções que irão disputar os jogos em Portugal como em Espanha. A região do Algarve, por exemplo, é sede de muitas concentrações e estágios de clubes e selecções.
O Algarve, precisamente, quer “estar” no mapa do Mundial o que, do ponto de vista geográfico, pode fazer sentido, dada a proximidade a Espanha e Marrocos. Vai acontecer? Em que termos?
A escolha dos centros de treino e estágio não é da candidatura, quem escolhe são as federações de outros países cujas selecções estarão no Mundial. Já existe uma oferta considerável na região do Algarve. O aumento da procura dos centros de treino e estágio leva a que se crie a percepção de que é preciso alargar essa oferta, percebo, mas no limite são sempre as federações a escolher. Compete-nos, sim, ter uma oferta diversa do ponto de vista territorial, apresentar uma lista com centros de treino e estágio que respondam ao que se antecipa serem as necessidades das federações e respectivas selecções.
Mencionou há pouco os 30 centros de treino e estágio disponíveis para o Mundial. Já estão identificadas as necessidades de cada um, já que em 2030 previsivelmente alguns poderão precisar de obras de reabilitação? Já está estimado o investimento que isso poderá acarretar?
Muitos deles certamente não apresentam necessidade de investimento. Se são procurados por alguns dos melhores clubes do mundo é porque seguramente já oferecem as melhores condições. Estamos a sete anos do Mundial 2030 e poderá haver algum desgaste em alguns desses centros de estágio. Essa é uma resposta que também será dada pelo dossier de candidatura quando ficar concluído. Quando estiver fechada a lista dos centros de estágio, sabendo quais são, onde estão e o apoio necessário, no plano de mobilidade, dos acessos, dos equipamentos de saúde e segurança, só então será possível responder a essas questões.
Mas já existe uma percepção do que serão as necessidades, dentro de sete anos, até tendo em conta a previsão do número de adeptos que poderá visitar Portugal?
Dependerá muito das selecções que se qualificarem e que venham a jogar em Portugal. Há selecções que arrastam centenas de milhares de adeptos e outras que arrastam dezenas de milhares de adeptos. Certo é que os estádios em causa têm recebido provas da UEFA e finais europeias. Estão preparadíssimos. No que respeita à mobilidade, à saúde, à segurança, são aspectos fundamentais, que têm de ser acautelados, mas estamos a falar dos dois maiores centros urbanos do país, que oferecem todas as condições e equipamentos.
Serão aplicados regimes especiais de isenção fiscal, como sucedeu nas finais da Champions de 2019 e 2020? É uma condição sine qua non para atrair os grandes eventos desportivos?
Nas finais europeias que se realizam em Portugal são aprovados benefícios fiscais às entidades promotoras e organizadoras externas, a título temporário e circunstancial, que tem a ver com o período em que se realiza a prova. Essa é uma decisão do Parlamento. O Governo propõe, a AR debate e vota. Dependerá muito do que for o caderno de encargos para a apresentação do dossier de candidatura, mas é uma das áreas que fará parte do dossier e na altura certa serão dadas as respostas a essa questão. Mas na linha do que tem acontecido, sim, o Parlamento tem aprovado um conjunto de benefícios fiscais muito circunscritos.
Está devidamente acautelado um esforço de investimento financeiro compatível com o retorno esperado?
Sim, completamente. A marca de água desta candidatura é a sustentabilidade. E não é só no plano ambiental, é também no plano económico e social. E terá de ser também no plano económico-financeiro. Este é um evento que irá valorizar imensamente a reputação do país. Como a Expo98, o Euro2004, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), decorrida há poucos meses, o Mundial 2030 irá incrementar o valor reputacional de Portugal no contexto internacional. Naquilo que é o retorno directo, acredito que o apoio público ao evento terá que assegurar o retorno, que se antecipa que será forte naquilo que é a receita fiscal, porque gerará nos meses anteriores à competição, durante a competição e logo após a competição uma procura imensa de bens e serviços da economia portuguesa. Independentemente do que poderão ser os benefícios fiscais atribuídos, aquilo que será a procura extraordinária externa ao evento irá gerar mais receita fiscal, impostos directos e indirectos, irá também gerar postos de trabalho e um legado do ponto de vista social, porque o Mundial deixa sempre marcas muito positivas por onde passa.
Citou há pouco dois eventos importantes, o Euro 2004 e a JMJ, ao nível da segurança. De que forma é que a experiência de eventos passados poderá contribuir para a elaboração de um plano de segurança que leve em linha de conta o contexto internacional actual?
O contexto internacional actual diz-nos que sete anos é longo prazo. Há sete anos não se anteciparia o contexto actual. Percebo a pergunta, o contexto internacional representa muitas vezes uma ameaça naquilo que é a elevação dos níveis de segurança dos eventos desportivos internacionais, é verdade. Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do próximo ano serão um momento em que o desporto pode também ter que elevar o nível de segurança. Temos de esperar por 2030 e perceber exactamente qual é o contexto. Diria que sempre que se realiza um grande evento internacional em Portugal levantam-se alguns fantasmas e que depois da realização do evento, olhando para o saldo positivo… Temos o exemplo mais recente da JMJ, que foi um êxito em todas as frentes e eu acredito que o Mundial 2030 será um êxito.
Esta pulverização do Mundial de 2030 por seis países e três continentes tem sido vista como a solução que a FIFA encontrou para em 2034 entregar o Mundial à Arábia Saudita. Não receia que este seja mais um Mundial a juntar ao historial de corrupção, luvas e outros interesses pouco claros que marcaram anteriores decisões da FIFA?
Não há nenhum indício que nos leve a criar essa suspeita, pelo contrário. Este processo deliberativo foi feito com o máximo de transparência, não tendo sofrido qualquer tipo de contestação. Interrompe um ciclo de decisões que nunca foram tão transparentes como esta. Julgo que foi uma decisão compreensível de realizar o primeiro jogo do Mundial 2030 no Uruguai, onde se disputou o primeiro Mundial. Isso significa responder à história do desporto e depois deixar 100 jogos nas mãos de Espanha, Portugal e Marrocos.
Ainda que Portugal só fique com 10 por cento.
Eu disse no mínimo 10 jogos, ou, dizendo de outra forma, mais de 10 jogos. Essa percentagem será superior. Devemos deixar aí alguma expectativa. Acredito que a FIFA agiu de forma distinta do que tinha decidido no seu passado, decidiu de forma atempada, com transparência e sem causar ruído.
Receou que o caso “Rubiales” comprometesse a organização ibero-marroquina do Mundial? A FPF não deveria ter-se demarcado claramente do comportamento do então presidente da federação espanhola (RFEF)?
O caso Rubiales é um caso protagonizado por personalidades espanholas. Na altura, recordo que o Governo espanhol foi rápido, assertivo, na censura àquele incidente e isso foi o bastante para que a comunidade internacional percebesse que em Espanha havia tolerância zero para aquele tipo de comportamento. O Governo português também deixou clara a sua posição, com uma declaração de censura. A FPF agiu conforme tinha de agir. Não vamos esquecer que esta é uma candidatura conjunta e a RFEF tem hoje um novo presidente. Mais importante foi assegurar essa transição na RFEF e tudo se fez para que o caso Rubiales não atingisse esta candidatura. Eu disse sempre que o caso Rubiales nunca atingiria esta candidatura, porque esta é uma candidatura de organizações e não de personalidades.
Em Abril, o primeiro-ministro António Costa mantinha a Ucrânia juntamente com Portugal, Espanha e Marrocos, na organização do Mundial? Quando e em que circunstâncias é que a Ucrânia saiu da candidatura?
A própria FIFA decidiu, no convite que fez, convidar Portugal, Espanha e Marrocos e não convidou a federação ucraniana. É só isto.