O interior da Terra esconde os resquícios de outro planeta? Parece que sim

Há duas enormes e misteriosas manchas no manto da Terra, a 3000 quilómetros de profundidade, e que agora uma equipa de cientistas acredita ser resultado de um embate de outro planeta contra a Terra.

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A colisão de um jovem planeta com a também jovem Terra terá originado uma nova camada no manto terrestre Hernán Cañellas
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No interior da Terra, há décadas que os cientistas notaram a presença de duas manchas gigantes, já perto do núcleo do nosso planeta. Estas manchas são formações rochosas, enterradas a 2900 quilómetros de profundidade debaixo de África e do Oceano Pacífico, mas a sua origem é desconhecida. Agora, há uma proposta nova para a sua origem e para a própria história da Terra: estes são vestígios de uma colisão entre a jovem Terra e um outro planeta jovem, há 4,5 mil milhões de anos.

A história da formação da Terra já é bastante violenta, com vários embates na infância do nosso planeta. No entanto, a equipa internacional de cientistas, liderada pelo geólogo Qian Yuan, da Universidade Estatal do Arizona (Estados Unidos), adiciona uma nova camada de violência. Através de simulações computacionais, a “máquina do tempo” possível para quem quer observar o início do Universo, os cientistas perceberam que a colisão poderá ter permitido a alguns “detritos” desse outro planeta infiltrarem-se no manto da Terra – a camada entre a crosta e o núcleo​ do nosso planeta.

Há 4,5 mil milhões de anos estávamos no período de formação dos planetas. E esta colisão terá sido um dos famosos embates que já ouvimos durante as aulas: o embate de um jovem planeta chamado Teia contra a Terra motivou a criação da Lua (através de pedaços quer de Teia, quer da Terra). Esta é a hipótese que tem prevalecido ao longo das últimas décadas e agora ganha um novo elemento: além da formação da Lua, esta batalha também deixou resquícios no interior da Terra.

Embora a proposta deste enorme impacto de Teia na Terra esteja a ser estudada desde os anos 1980, ainda há várias dúvidas sobre os detalhes que conduziram à formação da Lua e da própria Terra como a conhecemos após esta colisão – este é também um dos motivos para as missões à Lua: recolher amostras lunares para compreender melhor a formação do nosso satélite natural. Ainda assim, as amostras de rocha da Lua que recolhemos nos anos 1960 e 1970 mostraram que a composição dos átomos dos minerais da Lua e da Terra é similar, o que dá força a esta hipótese.

Regressamos ao manto da Terra, bem no interior do nosso planeta e já perto do núcleo. A proposta simulada pela equipa de Qian Yuan mostra que, com a colisão entre Teia e Terra, parte do manto derretido de Teia terá infiltrado o manto original da Terra e solidificou-se. Isto criou extensas zonas sísmicas diferentes das que se conhecem – e que intrigaram estes investigadores.

Em resposta ao jornal espanhol El País, Qian Yuan admite que esta era “uma ideia maluca”, quando apresentou esta hipótese há uns anos. Agora, os resultados publicados esta quarta-feira na revista Nature contrariam essa visão: “Com estas novas provas, diria que é bastante provável”, refere o cientista chinês radicado nos Estados Unidos.

Novas missões à Lua para confirmar

Há 4,5 mil milhões de anos, a Terra era um jovem planeta a descobrir os cantos ao nosso sistema solar – teria cerca de 85% do tamanho actual. Se estas simulações estiverem correctas, esta colisão derreteu a metade superior do manto terrestre e foi isso que permitiu que um enorme pedaço do planeta Teia (os cientistas apontam para cerca de 10%) se refugiasse no interior da Terra. O jovem planeta Teia teria um tamanho similar a Marte – que tem quase metade do diâmetro da Terra.

As formações rochosas que terão sido originadas por este embate são uma nova prova que dá respaldo à hipótese do grande impacto de Teia com a Terra. Uma colisão desta dimensão deixaria sempre marcas e estas enormes rochas no manto terrestre – apelidadas de grandes províncias de baixa velocidade (porque as ondas sísmicas viajam mais lentamente nesta zona do que no resto do manto) – são, precisamente, uma dessas marcas.

“Este é um óptimo trabalho, com ideias ousadas e conclusões interessantes”, defende Alex Halliday, cientista da Universidade de Oxford (Reino Unido) que não participou no estudo. “No entanto, levanta questões que precisam de mais discussão e análise, sobretudo quanto à forma como a Lua e a Terra se misturaram para alcançar tantas semelhanças, preservando ao mesmo tempo a heterogeneidade do manto profundo”, refere o investigador em declarações ao jornal britânico The Guardian.

Estas dúvidas sobre o que aconteceu após a colisão e a própria formação da Lua e a evolução da Terra poderão ser mitigadas com novas amostras de rocha lunar, particularmente do manto da Lua, para poder comparar e perceber se têm as mesmas assinaturas químicas – e, assim, compreender se têm origem em Teia.

Esta poderá ser parte das futuras missões à Lua, para as quais China e Estados Unidos têm um programa detalhado até ao final da década e que inclui a alunagem de humanos. Podem ser esses astronautas a trazer-nos mais provas sobre os primórdios da Terra e da Lua.

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