Juíza que foi casada com alto quadro do GES afastada do julgamento de Pinho e Salgado
O incidente de escusa foi anunciado pela magistrada a 23 de Outubro, na sequência de notícias do PÚBLICO e da SIC de que tinha sido casada com Miguel Rio-Tinto, que ocupou cargos de gestão no GES.
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu nesta terça-feira afastar do julgamento do caso EDP a juíza-adjunta, Margarida Ramos Natário, que foi casada com um alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES), Miguel Natário Rio-Tinto, aceitando o pedido de escusa da magistrada, noticiou a Lusa e confirmou o PÚBLICO.
"Ainda que não se duvide do juízo prévio efectuado pela Exma. Juíza sobre a correspondente imparcialidade, as actuais circunstâncias, objectivamente ponderadas, são de molde a gerar na comunidade aquela desconfiança, de resto, como a própria muito bem intuiu, daí que tenha solicitado a sua escusa, que, sem necessidade de mais considerandos, cabe conceder. Pelo exposto, acordam em conceder escusa", lê-se na decisão assinada pelos desembargadores Manuel Advínculo Sequeira, Luísa Alvoeiro e João Ferreira a que o PÚBLICO teve acesso.
O incidente de escusa foi anunciado pela magistrada no dia 23 de Outubro, na sequência de notícias do PÚBLICO e da SIC de que tinha sido casada com Miguel Natário Rio-Tinto, que desempenhou vários cargos de gestão em diversas entidades do GES e depois de os advogados que defendem o antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, e a mulher Alexandra Pinho, terem feito um requerimento à juíza para que a própria avaliasse a sua imparcialidade.
Nesse requerimento, os advogados juntaram vários documentos relativamente à forma como Miguel Natário Rio-Tinto, com quem a juíza foi casada durante vários anos e com quem tem três filhos, foi pago no GES. De acordo com o documento, pelo menos até 2014, o agora ex-marido de Margarida Ramos Natário teria recebido 1,2 milhões de euros através da sociedade ES Enterprises, considerado o "saco azul" do GES.
Inicialmente, através do Conselho Superior da Magistratura (CSM), a magistrada Margarida Ramos Natário disse que não comunicou a situação porque entendeu que não havia necessidade de o fazer e que tencionava "cumprir as funções de juíza adjunta neste julgamento até ao fim”. Também através do CSM, Artur Cordeiro, o juiz presidente da comarca de Lisboa, disse que apoiava a decisão da magistrada.
Porém, depois do requerimento dos advogados Ricardo Sá Fernandes e Magalhães e Silva, a magistrada acabou por ceder. Na comunicação que fez no tribunal, a magistrada disse que considerava que nada tinha mudado, mas que “por respeito à justiça” tinha decidido fazer então esse pedido ao Tribunal da Relação. “Farei por uma questão de respeito à justiça e à função de juiz, não que considere que tenha mudado muita coisa. Perante as notícias que têm saído desde quinta-feira, acho que se impõe que suscite de modo próprio o incidente de escusa e que a Relação decida”, afirmou.
Segundo a decisão do TRL, no pedido de escusa, Margarida Ramos Natário explica que foi casada, entre 27.11.1999 e 7.8.2014, com António Miguel Natário Rio Tinto, “o qual exerceu funções remuneradas em diversas sociedades comummente apelidadas como pertencendo ao GES, tal como os arguidos Ricardo Salgado e Manuel Pinho”.
A magistrada refere também que, “não obstante, seja por fim da convivência do casal desde 2008, ou porque o trabalho daquele não fosse assunto de conversa, ainda porque os activos financeiros referidos tivessem sido adjudicados ao ex-marido quando da partilha dos bens, nunca considerou que a sua imparcialidade estivesse em crise”.
No entanto, o requerimento feito pelos advogados ao processo “alude a circunstâncias aptas a objectivamente colocar em causa aquela isenção, designadamente, recebimento pelo ex-marido de dinheiros provenientes de conta da qual também teriam saído somas para um daqueles arguidos e que constituirão factualidade penalmente relevante e objecto do processo, em período coincidente com a ocorrência destes factos”.
Em declarações ao PÚBLICO, Magalhães e Silva, advogado de Alexandra Pinho, disse que a decisão do Tribunal da Relação em aceitar o pedido de escusa da juíza é muito importante porque contribuiu para manter a imparcialidade da justiça. Já Ricardo Sá Fernandes, que defende Manuel Pinho, considerou que "é uma decisão acertada, que salvaguarda a posição dos arguidos e de todos os sujeitos processuais, incluindo da magistrada visada". "Garante um processo equitativo", sublinhou.
Neste processo, Manuel Pinho responde por dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento e um de fraude fiscal, enquanto a Ricardo Salgado o Ministério Público imputa dois crimes de corrupção activa e um de branqueamento. Já Alexandra Pinho responde por um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal, ambos em co-autoria com o marido.