O elogio dos criminólogos

A sociedade portuguesa continua confusa sobre a Criminologia e os criminólogos. Nós somos criminólogos. Eis a verdade sobre a área na primeira pessoa.

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Megafone P3: O elogio dos criminólogos DANIEL ROCHA (ARQUIVO)
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Acreditamos que se sinta confuso quando dizemos que a criminologia é uma ciência social. É particular, dado que se localiza na fronteira entre as ciências naturais e as ciências humanas. A criminologia estuda os fenómenos humanos requerendo a observação do mundo real, não apenas através de pensamentos. O que dizem e fazem os criminólogos baseia-se em observações metódicas da vida real.

Mas então e o crime? A criminologia é uma ciência que estuda o comportamento que transgride regras, não estuda apenas o crime. Quando um criminólogo fala de “crime”, geralmente não se refere a uma cena de crime, mas aos padrões de comportamentos e acontecimentos transgressivos relativos a uma determinada área geográfica ou a indivíduos ou grupos num determinado período temporal.

A criminologia estuda vários fenómenos: a aplicação de penas, a reinserção social, o desenvolvimento de programas de prevenção da criminalidade, o funcionamento da polícia, tribunais e prisões, a violência estatal, o sentimento de insegurança, a violência nas escolas, a política criminal, o desenvolvimento das trajectórias criminais, a disciplina escolar, a descriminalização, a exclusão social, o racismo e a discriminação, a paz, a justiça, a eficácia de estratégias de redução do crime, a vitimação, as desigualdades de género e a violência contra as mulheres, os conflitos internacionais, o terrorismo e extremismos, os custos económicos do crime, o consumo de substâncias psicoactivas e a saúde pública, a infância, juventude e parentalidade, a psicopatia, a cibersegurança, a protecção do ambiente, a adesão à lei pelos cidadãos, entre outros.

Criminologia, criminólogos e ciências forenses são conceitos distintos que facilmente se confundem pelo facto de estarem relacionados com o crime. Porém, é demasiado redutor associar a criminologia e os criminólogos à investigação criminal e ciências forenses. Ser criminólogo é uma actividade profissional, geralmente resultante da licenciatura, mestrado ou doutoramento em Criminologia.

Em Portugal, são centenas os criminólogos com licenciatura e/ou mestrado em Criminologia e dezenas os criminólogos com doutoramento em criminologia. Os criminólogos são profissionais licenciados em Criminologia, profissão regulamentada pela Lei nº 70/2019, de 2 de Setembro. Por esta conquista, no dia 2 de Setembro passámos a celebrar o Dia do Criminólogo.

Vamos ilustrar como se faz criminologia com dois exemplos concretos. O primeiro exemplo respeita a um estudo do impacto do policiamento no crime. Os investigadores Sherman e Weisburd criaram uma experiência social. Uma vez identificadas as ruas com taxas de criminalidade mais elevadas na cidade de Minneapolis (110 ruas), distribuíram-nas aleatoriamente, entre um policiamento “normal” (controlo) e um policiamento de proximidade intensivo (experimental).

Asseguraram que esse policiamento era intensivo contando as horas que as patrulhas lá passavam. A atribuição aleatória às condições de policiamento isola o impacto causal da intensidade do policiamento no crime. Estes investigadores descobriram que o aumento da intensidade do policiamento reduziu o crime entre seis a 13% e a degradação dos espaços nas ruas em 50%.

O segundo exemplo volta-se à criminologia desenvolvimental. O que leva alguém a enveredar pelo crime e violência? Terrie Moffitt lidera um estudo na Nova Zelândia, que acompanha mais de 1000 crianças desde os três anos de idade. O estudo arrancou em 1972 e continua.

Através de colheitas de ADN, questionários, observação das famílias, entrevistas a pais, professores e médicos que participaram na vida destas pessoas (hoje já seniores), permitiu a construção duma base de dados rica. Identificaram-se os factores que, ocorrendo na infância, aumentam as probabilidades de trajectórias criminais mais persistentes durante a adolescência e início da vida adulta, como a hiperactividade, o baixo autocontrolo, os défices cognitivos, a rejeição maternal e a negligência parental.

Este tipo de estudos chama-se “longitudinal”. Em regra, demonstram que intervenções nos primeiros anos de vida e infância são mais eficazes na prevenção do crime. Com base nestes estudos, os criminólogos estabelecem a sua actividade profissional. Por isso, um criminólogo é um profissional que actua com base em evidência científica.

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