Mural de Vhils homenageia refugiados da Segunda Guerra Mundial que passaram por Lisboa

Obra de Vhils é inspirada numa fotografia do refugiado Roger Kahan, que passou por Lisboa nos anos 40. Partiu de um desafio lançado ao artista pelo jornalista Ferreira Fernandes.

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O novo mural de Vhils na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos Nuno Ferreira Santos
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Já se ia caminhando para a noite e, numa parede em frente ao rio Tejo, passava-se uma projecção com os movimentos de alguém a “pintá-la”. Esse alguém era Alexandre Farto – conhecido como Vhils – a fazer o novo mural num edifício em plena Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa. Na parede, quase como um negativo, está a partir de agora a recriação de uma fotografia com uma refugiada, no Porto de Lisboa, que esperava por embarcar em 1940. O mural é assim uma homenagem aos refugiados da Segunda Guerra Mundial que passaram pela capital portuguesa.

Na parede, Vhils reinventou uma fotografia de Roger Kahan na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos. Nela está a tal refugiada sentada em cima de uma mala. Mesmo ao lado está um marco de correio. Se contornarmos o edifício, encontramos ainda o mesmo marco. E a fotografia foi tirada em 1940 perto do local onde está a caixa para o correio.

Roger Kahan foi um refugiado francês judeu, que esteve de passagem por Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial. Era fotógrafo e retratou a capital portuguesa na sua passagem por Lisboa no Outono de 1940. A história de Roger Kahan foi contada pelo jornalista Ferreira Fernandes numa reportagem no jornal online Mensagem de Lisboa.

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Marco de correio que está na fotografia de Roger Kahan Nuno Ferreira Santos

Após a publicação da reportagem, Ferreira Fernandes desafiou Vhils para que fizesse um mural inspirado em Roger Kahan. “Que bom seria, junto ao marco do correio, e na casa abandonada que assistiu a tanto, se Vhils esculpisse o que muito bem entendesse sobre a memória que Roger Kahan nos deixou”, apelou, citado pela Mensagem de Lisboa.

Tanto Vhils como a Administração do Porto de Lisboa (que é responsável pelo local) aceitaram o desafio e o resultado surge em simultâneo com a cerimónia do 136.º aniversário do Porto de Lisboa, que se realizou esta terça-feira, 31 de Outubro.

Para criar o mural, Vhils começou por fazer uma interpretação da fotografia. Depois, essa interpretação foi transposta para a parede, usando uma tinta repelente transparente. De seguida, foi ainda aplicada uma tinta escura que adere às partes da parede que não tem a tinta transparente. Daí saiu o resultado – quase como se fosse o negativo da própria fotografia.

O mural é assim uma forma de homenagear os refugiados da Segunda Guerra Mundial que passaram por Lisboa. “Passando por aqui no Outono de 1940, também ele refugiado, Roger Kahan foi a maior testemunha dessa passagem e dessa esperança”, refere a Mensagem de Lisboa.

Além da reportagem, Ferreira Fernandes escreveu um livro inspirado em Roger Kahan, O Cais da Europa, Roger Kahan, refugiado, fotógrafo – Lisboa, 1940, lançado também esta terça-feira, juntamente com a inauguração do mural e da cerimónia do aniversário do Porto de Lisboa.

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O jornalista Ferreira Fernandes Nuno Ferreira Santos?

“Onde está o Ferreira Fernandes?” – assim perguntava o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, quando chegou ao local em frente ao mural, para a cerimónia. E lá apareceu Ferreira Fernandes.

A olhar para o mural – e a recordar a fotografia de Roger Kahan –, o jornalista descreveu ao PÚBLICO quão comovedora é a imagem: “É uma foto completamente pungente... É de uma mulher sozinha, triste e pobre também. O olhar é fechado e não tem ninguém com ela, nem à sua volta.” É com esta imagem que agora se faz uma homenagem a todos os refugiados da Segunda Guerra Mundial que passaram por Lisboa, que a partir de meados de 1940 era o único porto europeu de onde se podia partir.

“Há uma homenagem a fazer a Lisboa, que se portou muito bem nesses anos. Essa Lisboa tem de ser contada”, nota Ferreira Fernandes. “Depois, esta situação que é interessantíssima, de alguém que é refugiado, quis deixar a Lisboa estas fotos.

Foi a fotografia interpretada por Vhils – e tantas outras de Roger Kahan – que foram celebradas esta terça-feira. “Há aqui uma mensagem importante [a passar]: celebrar os que passaram por este país”, assinalou Carlos Moedas, na intervenção que fez, dirigindo-se a Rona Coster, nora de Roger Kahan, que estava presente na cerimónia, que contou no final também com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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O edifício onde foi feito o mural Nuno Ferreira Santos?

O presidente da Câmara de Lisboa destacou ainda a importância da história de Roger Kahan e dos refugiados que passaram por Lisboa no momento que estamos a viver, nomeadamente da guerra entre Israel e o Hamas. “Não podemos admitir que o anti-semitismo volte”, disse. “Quando o anti-semitismo volta, é o início do caos.” E fez questão de mencionar o significado da história para a cidade: “Representa algo muito lisboeta: recebemos todos e todos se podem considerar parte desta cidade.”

Esse foi também o objectivo do Porto de Lisboa, de acordo com o Presidente do Conselho de Administração do porto. “Quisemos transmitir à cidade que o Porto [de Lisboa] é de todos”, notou Carlos Correia.

Essa homenagem fica agora marcada num lugar de partida pelas mãos de Vhils.

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