HyChem: o “histórico” do hidrogénio aposta na descarbonização industrial

A empresa especializada na química do hidrogénio tem um foco claro: quer posicionar-se como um hub de hidrogénio verde, base de lançamento para uma indústria local e nacional mais sustentável.

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Na zona industrial de Póvoa de Santa Iria, em pleno vale do Tejo, a economia do hidrogénio não é tema novo. Em 1938, a Soda Póvoa afirmava-se como pioneira na produção e utilização de hidrogénio em Portugal, em ambiente industrial.

Oitenta e cinco anos volvidos muito aconteceu na região do vale do Tejo e no sector industrial português. A Soda Póvoa, antiga fábrica de carbonato de sódio e de soda cáustica, é hoje uma instalação da HyChem – Química Sustentável, empresa especializada na química do hidrogénio. E o próprio mercado do hidrogénio passou por altos e baixos: de uma forte procura por produtos produzidos com recurso a hidrogénio (anos 80) a uma contracção que afectou a indústria da região e, hoje em dia, a um interesse renovado no hidrogénio enquanto motor de novos produtos e de descarbonização industrial.

Desta experiência de décadas, a HyChem faz hoje um trunfo para estar um passo à frente na economia do hidrogénio verde (sem emissões poluentes associadas), cujo potencial começa a dinamizar o mercado. “Vemos o hidrogénio como ele é visto hoje em dia na economia do hidrogénio, ou seja, associado à descarbonização da economia”, explica Arlindo Carvalho, Chief Operating Officer (COO) da HyChem.

A empresa assumiu, em 2021, o compromisso com o desenvolvimento de uma indústria moderna centrada na descarbonização e na produção e utilização de hidrogénio verde. Para o conseguir, aposta na inovação e na capacidade de inspirar a mudança no sector industrial clássico, através de pilotos e provas de conceito em várias vertentes, da produção à utilização. Até porque, tal como destaca o responsável de operações, a empresa sempre viu “o hidrogénio numa lógica de vale de hidrogénio, ou seja, produzimos, incorporamos em produto e utilizamos”.

A HyChem tem actualmente em curso – e também no pipeline de iniciativas futuras – diversos projectos de forte inovação. Projectos esses que envolvem tanto as próprias operações internas, servindo de montra ao potencial do hidrogénio noutras indústrias, como uma abordagem em rede com outras empresas.

A ambição é clara: caminhar para posicionar-se como um hub de hidrogénio verde, base de lançamento para uma indústria local e nacional mais sustentável.

Da injecção na rede aos transportes

Neste complexo industrial da Póvoa de Santa Iria produz-se clorato de sódio, uma substância essencial ao sector da Pasta e Papel, e também o hidrogénio, originado em processos de electrólise. Ou seja, em processos onde a corrente eléctrica é usada para dissociar a água e, com isso, dar origem ao clorato de sódio e ao hidrogénio.

A HyChem pretende expandir a utilização do hidrogénio, assegurando, de base, que a electricidade usada possa provir de fontes renováveis. “Desde que consigamos assegurar que a nossa energia eléctrica é de fontes renováveis, conseguimos um processo completamente verde, que produz produtos que podemos classificar e homologar como produtos verdes”, hidrogénio incluído, explica Arlindo Carvalho, numa ideia associada também à expansão da produção energética renovável no complexo industrial.

Além do hidrogénio gerado em auto produção, os planos são de ganhar escala na produção, através de sinergias com outras empresas. O objectivo é que a produção de hidrogénio verde na HyChem passe de duas toneladas por semana par uma tonelada por dia, até 2024. Dois anos depois, em 2026, a fasquia está nas três mil toneladas anuais.

Estas metas materializam-se no H2Hub, “nome de código” para um projecto que visa aumentar a quantidade de produção de hidrogénio verde da HyChem, de forma a responder às necessidades da economia do hidrogénio. Neste caminho, e dado o compromisso assumido pela HyChem, a empresa quer ir além da utilização do hidrogénio produzido para subprodutos. A produção em escala de hidrogénio terá como destino inicial a injecção na rede de gás natural da Póvoa de Santa Iria.

Os projectos da HyChem não se esgotam, contudo, na produção do hidrogénio. Na indústria, e face às metas europeias (e ambições globais) de uma economia neutra em carbono, o hidrogénio tem sido visto com especial interesse. É necessário, ainda assim, acelerar o desenvolvimento tecnológico deste elemento, para que possa ser uma opção viável nas unidades industriais.

É disso exemplo o aproveitamento do hidrogénio excedentário do processo produtivo para a geração de vapor a altas temperaturas, uma das grandes necessidades da indústria e que a HyChem desenvolveu (e está hoje a utilizar nos seus processos). Na empresa portuguesa, a substituição do gás natural pelo hidrogénio traduziu-se numa redução acentuada das emissões associadas à geração de calor. Depois de provas dadas, espera-se que o exemplo possa vir a ser replicado por outras indústrias.

A área dos transportes é outra onde a HyChem visa demonstrar o potencial do hidrogénio. Nesse sentido, a empresa está a trabalhar com a TecnoVeritas numa iniciativa de conversão de motores diesel de grande dimensão (ver caixa) que vai tornar ainda mais sustentável a sua frota e é co-promotora do projecto de mobilidade sustentável Move2LowC, na vertente do recurso a hidrogénio para o transporte rodoviário pesado.

O desafio do armazenamento

Muito leve, inflamável e volumoso, o hidrogénio apresenta um outro desafio na sua utilização: o armazenamento em larga escala, sem riscos de segurança.

Também nesta etapa, a HyChem está a testar novas respostas. Nomeadamente, o estudo de uma solução num sistema LOCH – Liquid Organic Hydrogen Carriers, não ATEX (atmosfera explosiva), que forma absorções estáveis de hidrogénio em óleos orgânicos, resistente ao calor e à pressão atmosférica, também em parceria com a TecnoVeritas.

Completar o ciclo

O esforço de descarbonização da HyChem não se encerra no hidrogénio, procurando ganhos complementares com outras tecnologias. A empresa tem investido nas energias renováveis, com um primeiro parque solar de 2 MW no perímetro industrial da Póvoa de Santa Iria. Nos planos futuros está um segundo parque solar, de 10 MW, e um potencial complemento eólico.

Para acelerar a transição, a HyChem tem em curso um projecto de 25,7 milhões de euros do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência com vista a, justamente, implementar processos de baixo carbono, medidas de eficiência energética, e autoconsumo e armazenamento de energias de fonte renovável. Um dos grandes objectivos é que, no final do projecto, a instalação existente passe a consumir energia 100% renovável.

Pensar numa lógica de hub

Se o propósito é inspirar uma verdadeira transformação da indústria rumo à descarbonização, de nada vale fechar processos e inovações a sete chaves. Muito pelo contrário, a empresa está a trabalhar nestes temas em sinergia profunda com outras indústrias do vale do Tejo, tanto em termos de produção e utilização do hidrogénio, como numa economia circular à escala regional.

Estas sinergias têm sido procuradas, sobretudo, em três linhas complementares: na produção a maior escala de hidrogénio junto com outras empresas; na ambição de poder testar novos conceitos na HyChem que depois possam ser replicados, com sucesso, nas empresas circundantes; e no fecho do ciclo produtivo sem desperdícios.

A HyChem é também parceira no projecto ALGATEC Eco Business Park, que compreende a maior plataforma de produção e biorrefinação de microalgas na Europa. No âmbito deste projecto, pretende-se capturar e valorizar todo o dióxido de carbono emitido no processo produtivo da HyChem, aproveitado para a produção de microalgas. A HyChem consegue assim ser neutra em carbono, já que consegue dar um destino sustentável às suas emissões directas totais.

“Estamos fortemente interessados e somos dinamizadores da formação de um cluster de descarbonização em que estamos a associar todas as nossas competências, quer na área do hidrogénio, quer na área da bioengenharia”, defende Arlindo Carvalho. A dinamização desta infra-estrutura entre os vários players da região associa-se ainda à produção de energia renovável, pensada numa lógica de rede.

De projecto em projecto, sinergia em sinergia, a economia do hidrogénio e a descarbonização dão um novo alento e uma promessa de futuro sustentável e pioneiro, a partir deste pólo industrial da Póvoa de Santa Iria.

Este conteúdo está inserido no projecto "Hidrogénio: que caminho para Portugal?", que inclui ainda um podcast, case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema do hidrogénio em Portugal. Saiba mais aqui.

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