Hidrogénio é o futuro? Prós e contras discutidos por quem pode apresentar resposta
Portugal tem potencialidades para desempenhar um papel central na economia europeia do hidrogénio verde, mas o mercado como um todo ainda tem desafios para ultrapassar.
O hidrogénio é um capítulo inevitável para a transição energética, algo que ficou patente na sessão de abertura da Conferência “Hidrogénio: Que caminho para Portugal?”, que decorreu a 27 de Outubro, no Museu do Oriente, em Lisboa. José João Campos Rodrigues, presidente de direcção da AP2H2 – Associação Portuguesa para a Produção do Hidrogénio, defendeu que “a entrada do hidrogénio nas agendas da economia global é irreversível” e recuperou alguns dos marcos históricos da economia do hidrogénio no nosso país. Foi na Expo 98 que o primeiro autocarro a hidrogénio circulou na cidade de Lisboa. Já nessa época “representou uma luz de esperança ao fundo do túnel” devido a características como ser inesgotável, representar um vector de armazenamento que permite ajustar a oferta volátil das fontes renováveis ao consumo, ser não poluente e viabilizar a autonomia energética de qualquer comunidade. Mais de 20 anos volvidos, o hidrogénio renovável prepara-se para o que pode vir a ser um papel estratégico para o nosso país e não só.
“Hidrogénio Verde: Portugal no centro da Europa?”
O primeiro painel do dia evidenciou que Portugal pode estar “no centro da Europa num cenário ideal e exemplar de transição energética”, pelas palavras de José Carlos Matos, Head of INEGI's Wind Energy Group. “Somos obrigados ao nível das políticas públicas a internacionalizar tanto quanto podermos as nossas vantagens competitivas.”
Para se posicionar face ao centro da Europa, Manuel Costeira da Rocha, Director de Technology Strategy da Smartenergy, sublinhou que Portugal tem uma localização estratégica, porque reúne “recursos endógenos” importantes para a produção de hidrogénio verde: tem uma linha de costa de mais de 800 quilómetros, em que a água do mar pode ser dessalinizada para a electrólise (separação das moléculas da água em hidrogénio e oxigénio através da electricidade), tem abundância de sol e recursos eólicos. Para o especialista “podemos estar no centro da transição energética assim o queiramos”.
Sérgio Goulart Machado, Head of Hydrogen da Galp, lembrou que “o maior custo para a produção do hidrogénio está relacionado com a electricidade”, temos a tentação de ir produzir hidrogénio onde encontrarmos fontes de energia renováveis mais económicas, mas esta estratégia não “faz tudo”, porque são necessários outros factores como, por exemplo, um ambiente propício ao investimento e infra-estruturas adequadas. Por isso, para este responsável impõe-se a pergunta: Queremos mesmo transportar hidrogénio ou preferimos localizar a indústria onde temos acesso a hidrogénio? “Não vejo esta questão como uma ameaça para Portugal, vejo como uma oportunidade. Vamos conseguir fazer hidrogénio muito competitivo em Portugal e podemos atrair indústria.”
O exemplo de Cascais
O vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, Miguel Pinto Luz, apresentou um caso concreto para defender que Cascais já está na linha da frente da implementação do hidrogénio no quotidiano do concelho. “A tecnologia não é um fim em si mesmo, mas um meio”, um facilitador, a “pedra angular da mudança”, que pode ajudar a dar resposta ao desafio da sustentabilidade económica, ambiental e social, onde o hidrogénio terá um papel indiscutível a desempenhar. No município existe o único posto de abastecimento de hidrogénio no país e circula uma frota de autocarros movidos a hidrogénio. A aposta concentra-se na produção local de hidrogénio e neste momento está em curso um projecto-piloto para a produção desta fonte de energia através de resíduos. “Hoje temos de inventar o futuro.”
Transformar a indústria
Bruno Faustino, director da Unidade de Negócio Hidrogénio da PRF, um dos convidados do Painel “Transformar a indústria” declarou que o hidrogénio verde já é o presente. A PRF foi a empresa responsável pela instalação do posto de abastecimento em Cascais e está em crescimento com projectos ligados ao sector não só em Portugal, mas um pouco por toda a Europa, onde consolidou a sua presença ao longo dos últimos anos, encontrando-se actualmente em expansão para mercados transcontinentais. Bruno Faustino considera “que tem de existir mais investigação e desenvolvimento nos componentes que utilizam estas matérias-primas, neste momento os electrolisadores não param de aumentar de preço, ou seja, o equipamento que produz o hidrogénio ao contrário do que seria expectável continua a encarecer”.
Manuel Gil Antunes, CEO da Hychem e vice-Presidente da HyVeritas, que tem a experiência de liderar uma empresa que já produzia hidrogénio em 1938 por electrólise da água salgada, mostrou disponibilidade para partilhar conhecimentos com parceiros da indústria e para acolher projectos-piloto numa “lógica de hub”. Para este interveniente no painel “Transformar a indústria” o hidrogénio é o complemento natural da energia eléctrica para a descarbonização, com especial foco nas indústrias pesadas. “O custo do hidrogénio produzido depende do custo da energia associada. É por isso é que é tão importante o investimento na energia renovável com preços compatíveis para tornar viável o hidrogénio a um preço razoável”, acrescentou.
Teresa Ponce de Leão realçou a importância das “soluções integradas” e da economia circular equacionada na lógica da cadeia de valor. “As soluções têm de ser desenhadas à medida das condições onde vão ser desenvolvidas”, acrescentou. Para a presidente do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) existe também a necessidade de direccionar o conhecimento com utilidade para o cidadão e a sociedade, sublinhando o trabalho realizado com o “Atlas Nacional do Hidrogénio”, que mapeia os melhores lugares para a produção de hidrogénio tendo em conta as energias renováveis.
Para dar início à sessão da tarde desta Conferência, Luís Vasconcelos, Partner da Delloite, apresentou de seguida as perspectivas globais para este sector, sublinhando que ainda existe uma diferença de preço significativa entre as soluções de hidrogénio e as outras alternativas. Onde é que o hidrogénio verde poderá vir a ganhar competitividade? “As duas principais reduções de preço do hidrogénio vêm do ganho de escala e da eficiência dos electrolisadores, por outro lado também da redução do preço da energia eléctrica sobretudo quando as renováveis podem ser dedicadas aos projectos de produção de hidrogénio.” O especialista considera altamente provável que o mercado do hidrogénio venha a “crescer brutalmente”, alavancando um mercado de exportação significativo de hidrogénio ou de outros produtos que contenham hidrogénio.
Financiamento e Regulamentação do Hidrogénio
No painel da tarde dedicado ao “Financiamento e Regulamentação do Hidrogénio”, Nuno Antunes, sócio da Miranda & Associados especializado em Energy & Natural Resources, alertou para a necessidade de uniformização de procedimentos e afirmou que ainda existe incerteza na regulamentação do sector do hidrogénio, em que estamos todos a aprender no dia-a-dia. “Não tem sido muito fácil saber quais os instrumentos contratuais que vão ser necessários utilizar, os desafios têm surgido com questões mais complexas relacionadas com os detalhes, como alocar responsabilidades, riscos e financiamentos”, afirmou.
“O que se quer fazer com o hidrogénio? Pretende-se fazer armazenagem da electricidade intermitente? É para usar em transportes? Queremos utilizar para aquecimento?” Para Clemente Pedro Nunes, professor no Instituto Superior Técnico (IST), é necessário começar a traçar estratégias consistentes, sem utilizar apenas “dinheiro em cima dos problemas”, apesar dos enormes desafios tecnológicos que o hidrogénio ainda enfrenta. Para o especialista em energia, a questão da competitividade do hidrogénio assenta em três pilares que devem ser incentivados: o económico, tecnológico e ambiental. “Qual o problema da Europa? É que colocou metas políticas para soluções tecnológicas que ainda estavam por decidir.”
Nuno Eça, Conselheiro Económico do DG ENER da Comissão Europeia, mostrou concordar que estamos no bom caminho e estima que a Península Ibérica terá um potencial que corresponde à produção de cerca de 40 a 50 por cento dos objectivos europeus. O representante europeu referiu que o Plano RePowerEU assenta em quatro pilares: diversificação das fontes de energia, acções para diminuir os preços da energia, aceleração da transição energética, por um lado através das renováveis, mas também através das poupanças e eficiências energéticas e ainda a aposta na internacionalização.
Estratégia para o futuro
No encerramento, Ruud Kempener, membro do gabinete da Comissária Europeia responsável pela energia, Kadri Simson, lembrou que é necessário que as indústrias façam apostas de longo prazo para a transição energética e para os investimentos de hoje possam ser compatíveis com as metas de descarbonização de 2050. O representante europeu referiu Portugal como um bom exemplo da integração das renováveis nos sistemas energéticos, considerando que poderá já em 2030 estar numa posição muito forte na Europa.
“Se recuarmos três anos quando começamos a indústria europeia de hidrogénio e olharmos para o presente devemos estar muito orgulhosos do que fizemos como um todo.” Ruud Kempener está confiante que nos próximos anos vamos assistir na União Europeia a um movimento do plano político em direcção a uma cada vez mais sólida implementação do mercado do hidrogénio verde.
Este conteúdo está inserido no projecto "Hidrogénio: que caminho para Portugal?", que inclui ainda um podcast, case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema do hidrogénio em Portugal. Saiba mais aqui.