Alimentadas pelo sonho de ganhar medalhas pelo seu país, duas dúzias de raparigas e jovens treinam para se tornarem lutadoras de wrestling, num aglomerado de edifícios térreos, localizados num caminho poeirento numa vila no norte da Índia.
A cargo de um casal que acredita que o desporto pode fomentar aspirações e construir confiança, a escola de wrestling Altius, na vila de Sisai, em Haryana, a cerca de três horas da capital indiana, quer mudar percepções.
“As mulheres de uma vila não têm valor”, diz à Reuters Usha Sharma, a primeira treinadora de wrestling da Índia. “Numa vila, um animal tem mais valor do que uma mulher, porque um animal dá leite e há um valor associado a isso.”
Quer se tornem campeãs ou não, estas raparigas de famílias humildes têm aulas de empoderamento feminino durante os treinos no centro que Sharma montou, em 2009, com o marido Sanjay Sihag, professor de desporto.
Sharma, de 50 anos, é polícia, e os seus comentários duros descrevem a sociedade rural num país onde a pobreza, tradição e atitudes conservadoras atrasam os direitos das mulheres.
Nos campos próximos, mulheres da vila, cobertas da cabeça aos pés, tomam conta do gado. Esse podia ser o destino de algumas das suas alunas, não fosse a oportunidade que esta escola lhes dá de uma vida diferente.
“Quando abri a academia e começamos a ganhar medalhas, foi bom saber que algumas raparigas que costumavam cuidar das vacas e búfalos estavam a ser incentivadas pelos homens da família”, aponta Sharma.
O seu marido trata dos afazeres do dia-a-dia na academia, que é um lugar seguro onde as estudantes, com idades entre os oito e os 22 anos, constroem um sentido de irmandade, aperfeiçoando as suas capacidades e a resiliência necessária para serem bem-sucedidas não só no wrestling, mas na vida.
O estado financia os treinos, e os pais pagam 9100 rupias (cerca de 100 euros) por mês para apoio académico, que é dado pela escola na porta ao lado.
“É como uma família. Trabalhamos, brincamos e estudamos juntas”, diz Swati Berwal, 16 anos, que se está a preparar para um treino. “Também nos chateamos umas com as outras, como acontece nas outras famílias, mas apoiamo-nos muito.”
As condições são as básicas. As raparigas, algumas de estados vizinhos, dividem-se em dois quartos, partilham camas e colchões, mas muitas vezes invadem o único que tem ar condicionado. Acordam todos os dias às quatro da manhã, excepto ao domingo, e cozinham juntas.
Usam um moedor de pedra para fazer pasta de amendoim, que é misturada com leite — uma “bebida proteica”.
Os exercícios matinais incluem corridas, agachamentos, flexões e exercícios com inclinação. Os finais de tarde são passados em tapetes.
Para evitarem puxões de cabelos das adversárias, quase todas usam cabelo curto. Aos domingos, ligam para casa. Passam um telefone antigo de mão em mão, já que não têm acesso à internet.
Algumas mulheres ganham prémios monetários, mas competir a um nível nacional também lhes pode trazer trabalhos governamentais, e Sharma sente-se orgulhosa por ver antigas alunas a construírem carreiras, comprarem carros e a seguirem em frente.
Chegar longe
O wrestling é famoso entre homens indianos, e há milhares de centros de treinos espalhados pelo país.
Mas uma nova geração de mulheres inspirou-se em Geeta Phogat, que se tornou na primeira lutadora de wrestling indiana a vencer uma medalha de ouro nos Jogos da Commonwealth, em 2010, em Nova Deli.
As mulheres indianas arrecadaram três medalhas de bronze nos recentes Jogos Asiáticos, na China, e, no ano passado, uma antiga aluna da Altius ganhou uma medalha de bronze nos Jogos da Commonwealth, na Grã-Bretanha.
Outra estudante da Altius, Sonu Kaliraman, 27 anos, representou a Índia antes de sofrer uma lesão grave. Agora, é treinadora lá. A sua história é emblemática da jornada das estudantes que por lá passam.
Kaliraman lembra-se de desejar estar entre as raparigas que via a fazerem exercício todos os dias, enquanto ia para o campo trabalhar. E lembra-se do entusiasmo da primeira vez que viu um avião, quando foi competir noutro país.
As mulheres estão a mudar as atitudes conservadoras ao ganhar medalhas e provar que podem ser atletas mundiais, diz.
“Progredimos um pouco e vamos continuar a ir mais além”, garante Kaliraman, sentada na sua cama, numa casa na vila, enquanto a sua mãe, orgulhosa, lhe afaga a cabeça.
"Atacas primeiro"
A federação nacional de wrestling da Índia está a passar um período conturbado. Em Agosto, o órgão mundial do desporto, o United World Wrestling, suspendeu esta federação provisoriamente por não ter feito eleições atempadamente.
E um antigo dirigente enfrenta questões legais, depois de ter sido acusado de assédio sexual por várias lutadoras, ao longo deste ano.
O ministro do desporto, que também controla a Federação de Wrestling da Índia, disse que todos os esforços deveriam ser feitos para melhorar a segurança das atletas.
“Quando uma mulher tem de falar contra alguém superior está a pôr muitas coisas em jogo: a carreira, a vida”, afirma Sharma, acerca da polémica.
O marido de Sharma lembra-se de dizer à irmã, também lutadora de wrestling, como responder: “Protestas e atacas primeiro, depois abandonas. E não pensas nas medalhas.”