Desvendada uma nova camada derretida no interior de Marte
A queda de um meteorito de um lado do planeta permitiu registar, pela primeira vez, ondas sísmicas a atravessar o núcleo de Marte - e com isso descobrir mais sobre o interior marciano.
O impacto de um meteorito em Marte, na região onde está a sonda InSight da NASA, provocou ondas sísmicas do outro lado do planeta, dando novas pistas sobre o interior profundo do “planeta vermelho” e motivando uma reavaliação da anatomia do vizinho planetário da Terra.
Os novos dados sísmicos indicam a presença de uma camada até agora desconhecida de rocha derretida em torno de um núcleo metálico líquido – o componente mais interno do planeta – e que é menor e mais denso do que o previsto antes, explicam os cientistas cujas descobertas foram publicadas agora na revista Nature.
As ondas criadas por sismos – incluindo as que são provocadas por impactos de meteoritos – variam na sua velocidade e forma quando viajam através de diferentes materiais no interior de um planeta. O instrumento sismógrafo da sonda InSight permitiu focar precisamente na estrutura interna de Marte e observar o que acontecia.
O impacto do meteorito ocorreu numa região montanhosa de Marte, apelidada de Tempe Terra – estávamos a 18 de Setembro de 2021. Este impacto desencadeou um sismo com uma magnitude de 4,2 graus e deixou uma cratera com cerca de 130 metros de largura. O meteorito atingiu o lado oposto da localização da sonda InSight, que estava numa região de planícies chamada Elysium Planitia. A NASA aposentou a sonda InSight em 2022, após quatro anos de operações.
Faltava algo na estrutura de Marte
“O impacto no outro lado produziu ondas sísmicas que atravessaram o interior profundo do planeta, incluindo o núcleo. Antes disto, não tínhamos observado nenhuma onda sísmica que tivesse passado pelo núcleo. Só tínhamos visto reflexos do topo do núcleo”, diz Amir Khan, cientista planetário do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (Suíça), e autor de um dos dois artigos científicos publicados, na última edição da revista Nature, sobre a estrutura de Marte.
O comportamento das ondas sísmicas indica que nas avaliações anteriores sobre o interior de Marte faltava alguma coisa: a presença de uma camada de silicato derretido com cerca de 150 quilómetros de espessura, à volta do núcleo. Esta região derretida fica na parte inferior do interior do planeta – o manto. O manto, uma camada rochosa entremeada pela crosta externa e o núcleo do planeta – começa cerca de 1700 quilómetros abaixo da superfície.
Mais: os cientistas também recalcularam o próprio tamanho do núcleo. Com estes novos cálculos, descobriram que o diâmetro tem cerca de 3350 quilómetros, com um volume cerca de 30% menor do que o estimado.
Ao contrário de Marte, o planeta Terra não tem nenhuma camada derretida ao redor do seu núcleo – como a que foi revelada agora. Um dos dois estudos publicados na Nature indica que a camada está totalmente fundida, enquanto o outro artigo científico diz que a maior parte está totalmente fundida, mas a região superior está apenas parcialmente.
“A camada fundida e parcialmente fundida é essencialmente composta de silicatos (minerais que formam rocha) enriquecidos em ferro e elementos que produzem calor radioactivo em comparação o manto sólido”, explica Henri Samuel, cientista planetário do Centro Nacional de Investigação de França.
O núcleo de Marte é composto principalmente por ferro e níquel, mas também conta com elementos mais leves, como enxofre, oxigénio, carbono e hidrogénio. Os cientistas concluem que estes elementos mais leves constituirão entre 9% e 15% do núcleo em peso – um valor inferior ao que se estimava anteriormente.
“Esta quantidade de elementos leves não é diferente da do núcleo da Terra, que se estima ser em torno dos 10%”, acrescenta Amir Khan.
Marte, o quarto planeta a contar do Sol, tem um diâmetro de cerca de 6791 quilómetros, quase metade do diâmetro da Terra – cerca de 12.755 quilómetros. A Terra é quase sete vezes maior também em volume.
“Aprendemos muito sobre Marte ao estudar o registo sísmico fornecido pela missão InSight”, diz Henri Samuel. “Os planetas são sistemas ricos e complexos porque são locais onde coexistem muitos tipos diferentes de processos e actuam em várias escalas espaciais e temporais – e Marte não é excepção.”