Comer folhas de cenoura e talos de couve em prol do planeta

O projeto Re-Leaf tem como objetivo valorizar talos e folhas de plantas comestíveis, mas que não são aproveitados. A fermentação foi a técnica escolhida para os tornar mais apetitosos e saudáveis.

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Cenouras pedro cunha/Arquivo
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A FAO estima que 14% das partes comestíveis de alimentos destinados ao consumo humano são perdidas. A perda alimentar corresponde à diminuição da quantidade de alimentos ao longo da cadeia alimentar, excluindo o retalho, a restauração e os consumidores, etapas em que esta diminuição é designada por “desperdício alimentar”. Estratégias para reduzir a perda de fontes alimentares ao longo da cadeia produtiva são obrigatórias e urgentes.

O meu interesse nas perdas alimentares nasceu na minha tese de mestrado, cujo objetivo foi a fermentação de tomate industrial não maduro, um recurso abundante e subutilizado. A fermentação, técnica ancestral de processamento de alimentos, permitiu valorizar um produto à partida menos atraente para o consumidor. Por muito que as fermentações suscitem alguns narizes torcidos, fazem parte do nosso dia-a-dia: iogurtes, cerveja, pão, pickles… Os exemplos abundam! Um alimento fermentado é mais seguro, saboroso e nutritivo do que o produto que lhe deu origem. Esta é por isso uma das tendências atuais do setor alimentar.

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A planta que origina a courgette produz muito mais do que apenas os frutos: como não há tradição de consumo, as folhas e os talos são desperdiçados, apesar do seu potencial como fonte alimentar DR

Das cenouras aos brócolos

E assim, conjugando o amor à fermentação com a vontade de mitigar as acentuadas perdas alimentares globais, nasceu o projeto “Re-Leaf: Fermentação de partes não usadas de plantas comestíveis como estratégia para o desenvolvimento de produtos alimentares sustentáveis, saudáveis e inovadores”, que tem como principal objetivo valorizar talos e folhas de plantas comestíveis, mas que não são utilizados na nossa alimentação. Foram identificados pontos da cadeia produtiva onde se encontram estas matérias-primas a valorizar:

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A investigadora Sara Simões DR
  • Na produção primária, folhas e talos de courgette e de abóbora-menina, que após a última apanha dos frutos são descartadas. Ainda que alguns agricultores utilizem parte desta biomassa para devolver nutrientes ao solo, a quantidade de subproduto é muito elevada, constituindo um problema.
  • No processamento primário, foram identificadas as folhas e ramas de cenoura e beterraba, muitas vezes cortadas antes de irem para as prateleiras do supermercado.
  • No processamento de vegetais prontos a utilizar, foram identificados os caules e algumas folhas de couve galega e os brócolos espigados.

Durante este projeto, serão testadas diferentes estratégias de fermentação, com microrganismos aliados da nossa saúde intestinal, permitindo obter produtos saudáveis, saborosos e com maior validade, que poderão ser utilizados em diversos produtos alimentares alinhados com um estilo de vida sustentável.

Projetos como o Re-Leaf, que permitem valorizar recursos já existentes, são vitais para um futuro melhor. No entanto, cada um de nós tem a responsabilidade de lutar pela sustentabilidade do planeta: aproveitar o melhor possível os alimentos que temos em casa, fazer escolhas conscientes, apoiar produtores e empresas responsáveis. E quando pensarmos que não fazemos diferença porque somos só mais um, relembrar que todos temos o poder e a responsabilidade de moldar o mundo, um talo de couve de cada vez.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Aluna de doutoramento no LEAF - Centro de Investigação em Agronomia, Alimentos, Ambiente e Paisagem no Laboratório Associado Terra, Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa

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