Crescimento do atletismo é ponta de icebergue à espera de desafios

Registo de filiados duplicou em três décadas, mas o líder da federação acredita que a base de atletas pode quintuplicar esta marca histórica. A faixa etária dos Sub20 representa metade do universo.

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Os atletas informais constituem o grande capital de crescimento potencial da modalidade LUSA/MANUEL FERNANDO ARAÙJO
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A Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) divulgou, esta semana, dados relevantes referentes ao crescimento da modalidade, aferido à luz do número recorde de atletas filiados registados no último ano. Um marco histórico traduzido pelos 21.875 registos de 2022-23, ano em que também o número de clubes filiados aumentou para 670.

Apesar de estes dados mostrarem a duplicação dos números em três décadas, fasquia atingida pela primeira vez em 2022 — com mais de 20 mil registos (20.403) —, o presidente da FPA, Jorge Vieira, prefere centrar-se no potencial de crescimento da modalidade, que estima poder vir a atingir outras proporções.

A subida de 7,21% em relação ao último ano pode, muito bem, ser apenas a ponta de um icebergue que Jorge Vieira acredita “não revelar a verdadeira massa de praticantes”, formada por todos os cidadãos que treinam e participam regularmente nas diversas provas e disciplinas de atletismo.

E é aqui que entra o pormenor da filiação, já que existem milhares de praticantes que não se enquadram na concepção técnica de atleta filiado. Algo, porém, que poderá mudar muito rapidamente, elevando os números para a ordem dos 100 mil.

Para que esta visão se torne realidade, está em curso a criação de uma plataforma electrónica capaz de simplificar o processo de filiação, cujas vantagens em termos de seguros podem ser equivalentes às dos atletas de alto rendimento.

“Normalmente, os seguros desportivos são válidos para cada prova. O que se pretende é estender o benefício aos 365 dias do ano”, advoga o líder da FPA, organismo para que foi eleito pela primeira vez em 2012.

Para colocar a questão em perspectiva, Jorge Vieira conta duas histórias. A primeira refere uma espécie de competição extracurricular entre um grupo restrito de banqueiros, que, à margem dos negócios, se dedicava a participar em algumas maratonas internacionais numa disputa levada extremamente a sério.

Mas a verdadeira questão acabaria por ser levantada pelo filho, atleta de andebol, de um deles. Afinal, se nenhum era filiado, não eram atletas... A segunda história, contada pela esposa de Jorge Vieira, diz respeito a um amigo e comandante da Marinha que só exigia três coisas aos filhos: notas positivas a português e matemática e o cartão de filiado de atleta.

Em resumo: o próximo passo para quem já enfrenta as estradas e tem a coragem de ir regularmente a competições por conta e risco próprios é assumir a filiação. Então, sim, nesse cenário os gráficos disparariam. E, como sublinha Jorge Vieira, não estamos a falar exclusivamente de veteranos, algo que ainda gera discussões e confusões evitáveis.

“Quase metade dos registos [49,44%] diz respeito a atletas sub-20”. Dos 20 aos 35 anos corresponde uma fatia de 14,44%, pelo que os veteranos perfazem 36,12%. Assim sendo, parece que estão lançadas as bases para um futuro que enfrenta novos desafios, já que a quantidade pode não se traduzir em qualidade.

Reconhecer o talento

“O mundo está em constante mutação e é preciso mais do que uma ampla base de recrutamento para que surjam atletas de elite, como uma Rosa Mota ou uma Fernanda Ribeiro: campeãs da Europa, do Mundo e Olímpicas”. Uma trilogia que Jorge Vieira compara à conquista das big five para os alpinistas.

“O atletismo surgiu como algo natural: caminhar, marchar, lançar, saltar... Depois há o talento, como manifestação biológica mas, cada vez mais, pela dimensão social. Daí o sucesso em certas modalidades entre nós, como no futebol. Se o talento não for reconhecido, como julgo ser o caso do beisebol em Portugal, se não tiver impacto social, não é expectável que venha a surgir um qualquer Ronaldo nessa modalidade. Primeiro, é preciso um estímulo, que pode ser a gratificação financeira, uma expectativa, uma referência, uma recompensa, um modelo a seguir”, sublinha.

A verdade é que Portugal e a Europa podem estar a ser afectados pelo domínio dos atletas africanos, como sugere Jorge Vieira depois de um levantamento sobre os vencedores e pódios dos últimos anos nas principais provas de atletismo de meio-fundo e fundo.

“É esmagador e, nesse sentido, pode desmobilizar muitos jovens que tenderão a tentar outras vias, abrindo espaço a atletas de outras paragens, tendência que se acentua em todo o mundo”.

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