Nova bactéria pode explicar misteriosa morte de elefantes em África
Cientistas podem ter desvendado o mistério da morte súbita de centenas de elefantes no Zimbabwe e no Botswana. Estudo sugere que a “culpa” provável é de uma nova bactéria que provoca septicemia.
Uma bactéria quase desconhecida causou a morte de seis elefantes africanos no Zimbabwe – e, possivelmente, de muitos outros em países limítrofes. Esta é uma das conclusões de um estudo, publicado na revista científica Nature Communications, que evidencia mais um obstáculo aos esforços de conservação destes animais ameaçados: as doenças infecciosas.
Cerca de 350 elefantes morreram inexplicavelmente no Botswana em 2020. Eram animais de diferentes idades, de ambos os sexos, que eram encontrados estatelados no chão, e com as presas intactas (o que exclui a hipótese de caça furtiva). Há relatos de que, antes de caírem subitamente, os elefantes caminhavam em círculos, desorientados.
Também há três anos, outros 35 elefantes faleceram no Zimbabwe, em circunstâncias semelhantes – e foi sobre este segundo caso misterioso que os cientistas se debruçaram.
“A nova bactéria aqui identificada pode estar claramente ligada às mortes de elefantes africanos no Zimbabwe em 2020. Embora a patogénese da infecção que provoca o óbito seja mais complicada, e envolva prováveis factores ambientais, nenhuma outra causa de morte foi directamente demonstrada até agora”, explicou ao PÚBLICO o co-autor Falko Steinbach, professor de Imunologia Veterinária na Universidade de Surrey, no Reino Unido.
Uma bactéria pouco conhecida
Falko Steinbach e colegas investigaram o caso dos 35 elefantes mortos, que ocorreu no Noroeste do Zimbabwe, numa área com cerca de mil quilómetros quadrados, sobretudo entre Agosto e Setembro de 2020.
Testes realizados em amostras de 15 cadáveres mostraram que 13 deles apresentavam sinais de septicemia ou intoxicação. Em seis das 15 análises post-mortem foi identificado um potencial “culpado”: a Bisgaard taxon 45, um nome ainda provisório para mais um membro da vasta família bacteriana da Pasteurella.
“Pensamos inicialmente, com base na patologia e nas bactérias observadas, que tínhamos ali a Pasteurella multocida. Já até havíamos começado a escrever o manuscrito com isso em mente. Foi uma surpresa ver nos resultados que não se tratava de Pasteurella multocida, que é uma bactéria muito comum, mas sim da Bisgaard taxon 45”, explica ao PÚBLICO a co-autora Laura Rosen, epidemiologista no grupo de trabalho para a saúde animal do Parque Transfronteiriço Kavango-Zambezi.
Laura Rosen nunca tinha ouvido falar da bactéria e, quando foi pesquisar na literatura científica, não encontrou grandes referências. “Não havia sido relatado antes que causava esse tipo de doença. Então creio que ninguém suspeitaria à partida que se tratava dessa bactéria”, refere numa resposta por correio electrónico.
A bactéria nunca foi verificada em elefantes-africanos, refere o estudo da Nature Communications. Já a Pasteurella multocida foi associada a mortes súbitas de animais selvagens como os antílopes.
A hipótese de envenenamento foi posta de parte, a exemplo da caça furtiva. Análises toxicológicas, incluindo testes rápidos de cianeto (substância muitas vezes utilizada para matar elefantes no Zimbabwe), não indicaram vestígios de substâncias tóxicas nas carcaças, ou mesmo nos reservatórios de água próximos.
Mais um risco para a espécie ameaçada
Os elefantes-da-savana-africana (Loxodonta africana) constituem uma espécie ameaçada, segundo a avaliação de especialistas para a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza.
Estima-se que existam hoje apenas 350 mil indivíduos a viver em ambiente selvagem, com uma taxa de decréscimo anual de 8% da população (causada sobretudo pela caça furtiva). E por isso os episódios de morte em massa, ocorridos há três anos, provocaram grande consternação internacional.
“As nossas descobertas identificaram uma nova e importante causa possível para mortes súbitas em elefantes nesta região. Ainda há muito que não sabemos sobre este organismo e a sua relação com os elefantes e outros animais selvagens da região”, diz Laura Rosen.
A epidemiologista recorda que o Zimbabwe e o Botswana albergam as maiores populações de elefantes-africanos, pelo que “garantir que estas populações permanecem saudáveis é crucial” para a conservação da Loxodonta africana. Por isso, a co-autora acredita que mais estudos são necessários para compreender melhor o possível impacto da nova bactéria na vida selvagem.
O papel das alterações climáticas
A associação entre as alterações climáticas e esta infecção também pode, sugerem os cientistas, ser relevante para desvendar mortes misteriosas. O stress fisiológico nos animais associado a fenómenos climáticos extremos, como a seca hidrológica, podem contribuir para a ocorrência de surtos.
“Suspeitamos de que estas mortalidades foram causadas por uma combinação de factores, incluindo o stress, embora isto precise de ser mais estudado. Como parte desse estudo mais aprofundado, precisamos de manter a mente aberta sobre o panorama geral dos factores ambientais que podem influenciar esta doença, além das bactérias”, afirma Laura Rosen.
O primeiro autor do estudo, o veterinário Chris M. Foggin, afirmou à rádio britânica BBC4: “Não ficaria surpreendido se voltássemos a ver esta situação [em países africanos]. Os elefantes ficam particularmente stressados durante estações muito quentes e secas”.
Desafios para analisar amostras
Os cientistas descrevem a análise de amostras de cadáveres como uma operação exigente. “A recolha de amostras pode ser bastante difícil, uma vez que as carcaças de animais podem estar em locais muito remotos. Quando as temperaturas são altas, as carcaças decompõem-se rapidamente e pode não ser possível recolher muitas amostras úteis”, conta Laura Rosen.
Também houve limitações técnicas. O laboratório de Victoria Falls, no Zimbabwe, tem capacidade para realizar análises de microscopia, patologia, biologia molecular e cultura microbiológica. No entanto, explica a epidemiologista, a instituição não está preparada para análises mais sofisticadas, como espectrometria de massa ou sequenciação do genoma completo.
As análises mais avançadas foram cruciais para isolar e analisar geneticamente a nova bactéria. “Nós aqui fornecemos uma caracterização molecular completa”, diz Falko Steinbach. O co-autor afirma que a “singularidade” do estudo repousa precisamente “na detecção de uma bactéria pouco conhecida ou caracterizada”.
A burocracia também pode ser um obstáculo. “O envio de amostras de vida selvagem para fora do país, para laboratórios com capacidade mais avançada, requer inúmeras licenças de diferentes agências governamentais, que por vezes podem levar meses a serem concedidas. Isto pode tornar muito difícil diagnosticar rapidamente doenças na vida selvagem da nossa região”, refere Laura Rosen.
Apesar do calor intenso, os cientistas usaram fatos protectores durante a recolha das amostras. Isto porque, inicialmente, a hipótese de contaminação por antraz foi aventada. Trata-se de uma doença infecciosa grave causada pela bactéria Bacillus anthracis. Os primeiros testes afastaram a hipótese de antraz, obrigando os cientistas a formular outras hipóteses e aprofundar a investigação. Foi necessário regressar às carcaças que haviam sido queimadas entretanto, para prevenir contaminações, e recolher mais amostras.
“As semelhanças entre os casos de antraz e os casos de 2020 significam que podemos ter deixado passar ao lado a causa de mortes no passado, isto se presumíssemos antraz e não realizássemos mais testes (ou não pudéssemos porque não tínhamos amostras recolhidas)”, observa Laura Rosen.
Os cientistas não estudaram amostras do Botswana, onde foi registado o maior número de mortes de elefantes em 2020. O episódio no país vizinho do Zimbabwe foi atribuído à presença de toxinas na água, mais precisamente substâncias produzidas por cianobactérias, segundo fontes governamentais. As conclusões deste novo estudo não invalidam essa hipótese, mas também não identificam quaisquer dados que a corroborem.