Drawing Room, uma feira gourmet
A mais importante feira de desenho em Portugal traz uma cuidada selecção de galerias e obras à Sociedade Nacional de Belas-Artes, em Lisboa. Para ver até dia 29.
A meteorologia não se mostrava convidativa, mas nesta quarta-feira ao final da tarde a enchente para a inauguração da edição portuguesa da Drawing Room, feira exclusivamente dedicada ao desenho e cujo conceito original vem de Espanha, já se fazia sentir.
No salão principal da Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), em Lisboa, concentram-se, tal como na edição de 2022, 23 galerias: 19 portuguesas, três espanholas e uma brasileira. Ausentes estão galerias como Cristina Guerra, Francisco Fino, Madragoa e Foco – que estarão já na próxima semana na feira Artissima, em Turim –, bem como as portuenses Quadrado Azul ou Pedro Oliveira, por exemplo. A feira, que se estende até ao dia 29 de Outubro, completa-se com uma excelente exposição dos artistas seleccionados para o prémio de desenho FLAD, no espaço da Galeria Pintor Fernando de Azevedo – o vencedor é conhecido no sábado, 28. Noutra secção e sob o tema “Foco Ilhas Baleares”, o comissário João Silvério reúne peças de Catalina Julve, Andreu Maimó, Cristòfol Pons e Isabel Servera.
O primeiro artista que encontramos na SNBA é Rui Calçada Bastos, que tem uma individual no stand da sua galeria, a Bruno Múrias. As peças que mostra incluem, como tantas vezes sucede no seu trabalho, objectos apropriados – neste caso, postais antigos e velhas balanças de correio onde o artista intervém com delicados desenhos a laser em placa metálica, ou com arames que criam linhas e ligações sobre as imagens estereotipadas das paisagens nos postais. É sem dúvida um dos trabalhos mais originais de toda a feira.
Tal como acontece no caso de Rui Calçada Bastos/Bruno Múrias, outras galerias optaram por apresentações individuais, dando o benefício acrescido de maior visibilidade ao artista. A Galeria Vera Cortês mostra obras de Gabriela Albergaria, a 3+1 traz desenhos da brasileira Maria Laet, a Pedro Cera escolhe as intrigantes figurações da alemã Paloma Varga Weisz, e a No-No apresenta peças de Rui Neiva significativamente diferentes daquelas que vimos em Maio passado, na ARCOlisboa. Quanto às galerias espanholas presentes – Siboney, Silvestre e Trinta –, seleccionaram pelo menos um artista português para fazer face à dificuldade que é entrar num mercado estrangeiro com protagonistas que poucos identificarão. Já a brasileira RV Cultura e Arte, de Salvador, mostra obras dos brasileiros Pedro Marighella, a bisar na Drawing Room depois da sua presença em 2020, e Felipe Rezende.
Prestígio e preço a condizer
Apostar em feiras não é fácil, e as galerias representadas nesta edição da Drawing Room demonstram compreender a importância da circulação internacional dos seus artistas. Por exemplo, no dia da inauguração havia muito público português, claro, mas também algum estrangeiro, o que é sintomático de como a qualidade geral desta feira, ainda de pequena dimensão, reflecte a vontade de ultrapassar as barreiras habituais do mercado nacional. A Drawing Room é quase uma feira gourmet, onde se prefere a qualidade à quantidade, procurando também chegar a clientes com um gosto educado e muito particular.
No conjunto, destacamos as peças de maior prestígio, com preços a condizer: uma selecção de desenhos de Paula Rego, entre os quais uma raríssima paisagem, na Galeria 111; e as grandes folhas com aguadas sobre papel de Pedro Cabrita Reis na Miguel Nabinho. O galerista, que também mostra peças de Patrícia Garrido, tem ainda em exposição obras de Pedro Calapez.
Noutros stands, como o da lisboeta Balcony, chamam-nos a atenção as obras assinadas por Rodrigo Oliveira e Tiago Alexandre. Também é o caso de Pedro Barateiro (na Filomena Soares), de Vasco Barata (na Fonseca Macedo), de Lutz Braun (na Jahn und Jahn), de Rui Soares Costa (nas Salgadeiras). Uma menção especial cabe à portuense Lehmann+Silva, que traz uma cuidada selecção de peças, entre artistas jovens e não tão jovens: Fernando Marques Penteado, Joana da Conceição, Diana Policarpo & Odete, e sobretudo Mariana Barrote.
Entre os muitos prémios que serão atribuídos durante a feira – Prémios millennium, já na sexta-feira; Prémio Novo Talento Desenho, atribuído pela feira e pela Viarco, e Prémio FLAD – é de salientar este último, no valor de 20.000 euros, e que tem direito a exposição dos artistas seleccionados. Este ano, contam-se António Poppe, Carla Filipe, Cristina Lamas, Dayana Lucas, Hugo Canoilas, Joanna Latka, Manuel Caldeira, Paulo Brighenti e Pedro Valdez Cardoso. A exposição é muito homogénea em termos qualitativos, o que não deverá facilitar a tarefa do júri, e as obras relevam, na sua maioria, um conceito expandido do desenho: nem obrigatoriamente a lápis, nem sobre papel, nem limitado a um formato ou a uma forma específicos; mas sempre uma investigação sobre o que sucede à linha, ao risco ou à mancha aguada numa superfície conceptualmente infinita. Esta linha, aqui, pode ser linha de coser, recorte feito por máquina, arame, fio de tecido. E a cor, carvão, tintura vegetal, base comprada no comércio, até – ou seja, tudo aquilo que o artista quiser. Este prémio, que será anunciado no sábado à tarde, coube em 2022 a Maria Capelo.