Morreu a resistente antifascista Margarida Tengarrinha

A escritora algarvia morreu esta quinta-feira, aos 95 anos.

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Margarida Tengarrinha vivia em Portimão ADRIANO MIRANDA
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Morreu ao início do dia desta quinta-feira, 26 de Outubro, a resistente antifascista Margarida Tengarrinha, aos 95 anos, confirmou o PÚBLICO junto de fonte do Partido Comunista Português e de fonte próxima da família.

Nasceu a 7 de Maio de 1928 em Portimão, no Algarve. Foi artista, escritora, militante e dirigente do PCP e resistente ao regime salazarista. "Fui quantas pessoas foram necessárias", disse, numa entrevista de 2018 ao Fumaça, referindo-se às diferentes identidades criadas para fugir à polícia política — as várias profissões, sotaques, visuais, histórias.

A Câmara Municipal de Portimão vai declarar dia de luto municipal a 31 de Outubro, data em que decorrerão as cerimónias fúnebres da escritora. "É uma perda enorme para Portimão. Era uma pessoa extraordinária, uma mulher a quem devemos muito. Símbolo da resistência, da democracia e da luta contra o fascismo", reagiu, em declarações ao PÚBLICO, a presidente da autarquia, Isilda Gomes.

Margarida Tengarrinha iniciou actividade política em 1948, ainda estudante na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, pelo Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD).

Quatro anos depois, em 1952, seria uma entre 82 alunos expulsos da Escola de Belas Artes por participar nas manifestações contra a cimeira da NATO em Lisboa nesse ano, em defesa do desarmamento atómico e da saída de Portugal da Aliança Atlântica.

"Eu, o José Dias Coelho e o António Alfredo Paiva Nunes fomos os mais penalizados, já que, além de sermos expulsos de Belas Artes, fomos expulsos de todas as escolas do país", recordou Margarida Tengarrinha em 2017, no âmbito do projecto "Mulheres de Abril". Foi também impedida de dar aulas de Educação Visual na Escola Paula Vicente.

No mesmo ano, "logo a seguir à expulsão", tornou-se militante do Partido Comunista, e em 1955 entra na clandestinidade com o marido, José Dias Coelho, antigo colega de faculdade, também artista, militante e dirigente comunista. Os dois usariam o que aprenderam sobre artes para falsificar documentos e apoiar a resistência à ditadura.

A 19 de Dezembro de 1961, José Dias Coelho foi assassinado pela PIDE, em Alcântara. Tinha 38 anos. Foi Margarida Tengarrinha a redigir a notícia da morte no Avante!, jornal para o qual escrevia: "Não queria que mais ninguém o fizesse."

Partiu depois para Moscovo com o secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal, onde ficaria entre 1962 e 1964, e daí para a Roménia. Em Bucareste trabalhou para a emissora Rádio Portugal Livre, "a rádio clandestina do Partido Comunista, que ao longo de 12 anos acompanhou a luta do povo português contra a ditadura, pela liberdade e pela democracia", afirma o próprio partido.

Regressou a Portugal em 1968, apesar do perigo que corria pela oposição ao regime. "No total, vivi na clandestinidade dezanove anos, seis dos quais no estrangeiro, onde trabalhei com o camarada Álvaro Cunhal e na Rádio Portugal Livre. Mas em 1968 regressei a Portugal e trabalhava na Direcção Regional do Norte no dia 25 de Abril", afirmou, em entrevista ao Postal do Algarve, em 2022.

Após a Revolução dos Cravos, integrou o Comité Central do PCP, foi deputada eleita pelo Algarve e em 1976 passou a trabalhar directamente com Álvaro Cunhal, assumindo o tema da agricultura na comissão política do partido.

Regressou a Portimão em 1986, onde vivia num apartamento junto à praia da Rocha. "Desde pequena, este mar aqui em frente é a minha grande ligação ao mundo", contou, em 2018, em entrevista ao PÚBLICO. "Por isso, quando morrer quero ser cremada e as cinzas serão deitadas ao mar."

Residia actualmente no Lar da Raminha, em Portimão, construído num terreno doado à cidade pela família Tengarrinha. Morreu esta quinta-feira no Hospital de Faro, para onde tinha sido transferida por complicações associadas a uma doença renal.

O corpo de Margarida Tengarrinha estará em câmara ardente na Casa Mortuária da Igreja do Colégio, em Portimão, no 31 de Outubro, a partir das 9h30, saindo às 12h30 para o crematório de Albufeira, informou o PCP em comunicado enviado às redacções.

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