Otis surpreendeu os cientistas: o calor do oceano terá ajudado a fortalecer o furacão
É possível que uma onda de calor do oceano tenha fornecido combustível extra para uma tempestade que provavelmente teria ocorrido de qualquer forma, mas que ganhou proporções surpreendentes.
As altas temperaturas registadas nos oceanos do mundo, um fenómeno tão generalizado e tão além de qualquer coisa já observada, surpreenderam cientistas climáticos e meteorologistas durante meses. O fenómeno preparou o terreno para inundações mortíferas e colocou a Terra no caminho certo para um ano de calor recorde.
E o furacão Otis que atingiu o México esta quarta-feira será um exemplo dos efeitos do calor extremo que está a afectar o planeta em 2023. O furacão Otis intensificou-se mais rapidamente do que qualquer outro ciclone tropical alguma vez observado no Pacífico oriental ao passar por águas com 31 graus Celsius à superfície. Os ventos superiores a 265km/hora que atingiram Acapulco foram mais fortes do que qualquer outro acontecimento que a costa Oeste do México tenha suportado com um ciclone tropical.
Mais uma vez, é possível que uma onda de calor do oceano tenha fornecido combustível extra para uma tempestade que provavelmente teria ocorrido de qualquer forma, mas que talvez não se tivesse transformado tão dramaticamente e tão rapidamente que deu às comunidades pouco tempo para se prepararem.
"Foi um impulso extra", disse Philip Klotzbach, investigador de furacões da Universidade do Estado do Colorado. "Quando as águas estão tão quentes, os dados são favoráveis a uma rápida intensificação."
Especificamente, as águas quentes bem abaixo da superfície do caminho do Otis podem ter aberto o caminho para o seu desenvolvimento, acrescentaram os cientistas. As águas mais frias a 45 metros de profundidade inibem frequentemente os ciclones tropicais, uma vez que as agitam até à superfície.
"Havia um elevado teor de calor no oceano. Estas são definitivamente condições favoráveis a uma rápida intensificação", sublinha Karthik Balaguru, um cientista climático e de dados do Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico.
Os meteorologistas definem a intensificação rápida como um aumento de 56km/h nos ventos máximos sustentados de um ciclone tropical em 24 horas. Em comparação com uma série de tempestades que se intensificaram rapidamente antes de atingir os Estados Unidos nos últimos anos, o Otis estava noutra categoria – a velocidade dos ventos aumentou 177km/h em 24 horas.
Essa intensificação ocorreu quando Otis se deslocou para o Norte, em direcção ao Sul do México, em águas com temperaturas à superfície acima dos 31 graus Celsius.
Este valor é apenas ligeiramente superior ao normal nesta parte do Pacífico oriental, enquanto o desenvolvimento de um forte padrão climático El Niño significa que as águas superficiais mais a sul, ao longo do equador, estão mais anomalamente quentes. Mas ainda assim é "superquente", disse Klotzbach, e bastante quente para alimentar uma rápida intensificação.
Um número crescente de estudos tem associado o aquecimento dos oceanos a uma maior probabilidade de intensificação rápida. Um estudo publicado em 2017 indicou que a intensificação rápida se tornaria mais frequente e grave à medida que o planeta aquecesse.
Investigações mais recentes sugerem que isso está de facto a acontecer, pelo menos com as tempestades mais extremas.
Um estudo de 2018 concluiu que, entre as tempestades que se fortaleceram mais rapidamente, as suas taxas de intensificação aumentaram cerca de 6km/h por década, de 1986 a 2015. Uma investigação publicada no ano passado concluiu que a "intensificação extremamente rápida" dos ciclones tropicais está a ocorrer com maior frequência. Os investigadores analisaram as tempestades que aumentaram 91km/h num período de 24 horas.
Num estudo publicado na semana passada, os investigadores afirmaram que a intensificação se tornou mais provável e está a ocorrer mais rapidamente na bacia do Atlântico.
O autor principal das descobertas mais recentes defendeu na quarta-feira que, embora não se apliquem directamente a Otis e à bacia do Pacífico, é evidente que as águas mais quentes conduzem a tempestades que se formam e intensificam mais rapidamente em qualquer lugar. Num mundo mais quente, essas transformações de tempestades durante a noite são exactamente o que os cientistas aprenderam que seria possível, confirma Andra Garner, professora assistente na Universidade de Rowan, em Nova Jersey.
"Ver isso realmente acontecer como aconteceu com Otis é uma coisa diferente", acrescentou Garner. "É um pouco alucinante, penso eu."
Mas a forma exacta como o calor recorde do planeta pode ter contribuído para o rápido desenvolvimento de Otis levará meses, ou anos, para ser desvendada, explica Kerry Emanuel, professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Porém, o cientista adianta que é bastante provável que o calor global recorde em Julho, Agosto e Setembro tenha contribuído para o aquecimento profundo da coluna de água.
Nessa parte do Pacífico, uma camada de água relativamente fresca perto da superfície actua como um tampão sobre a água que é mais salgada e tipicamente mais fria por baixo. É possível que as águas superficiais estivessem a manter o calor do Verão no caminho do Otis, disse Kerry Emanuel, acrescentando ainda que "é possível que as águas a 40 ou 50 metros de profundidade estejam mais quentes do que estariam se não tivéssemos tido este Verão quente".