Paisagem antiga formada por rios revelada nas profundezas do gelo da Antárctida

Artigo na Nature Communications revela o mundo perdido da Antárctida, quando a região ainda não estava coberta de gelo e tinha rios e florestas. “A paisagem é como uma fotografia do passado.”

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Ilustração mostra como uma paisagem do tamanho da Bélgica, localizada na Terra de Wilkes, na Antárctida, apareceria se o espesso manto de gelo que a cobre fosse levantado Stewart Jamieson, Durham University/Handout via REUTERS
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A Antárctida nem sempre foi uma terra desolada de gelo e neve. O continente mais a Sul da Terra já foi o lar de rios e florestas repletas de vida. Utilizando observações por satélite e radares de penetração no gelo, os cientistas estão agora a vislumbrar o mundo perdido da Antárctida.

Os investigadores afirmaram esta terça-feira ter detectado, enterrada sob o manto de gelo do continente, uma vasta paisagem antiga, repleta de vales e cumes, aparentemente moldada por rios antes de ser engolida pela glaciação há muito tempo.

Esta paisagem, localizada na região da Terra de Wilkes, na Antárctida Oriental, na fronteira com o Oceano Índico, cobre uma área aproximadamente do tamanho da Bélgica ou do estado americano de Maryland. Segundo os investigadores, a paisagem parece datar de há pelo menos 14 milhões de anos e talvez de há mais de 34 milhões de anos, altura em que a Antárctida entrou em congelamento profundo.

"A paisagem é como uma fotografia do passado", disse Stewart Jamieson, professor de glaciologia na Universidade de Durham, em Inglaterra, e co-líder do estudo publicado na revista Nature Communications.

É difícil saber como era este mundo perdido antes do aparecimento do gelo, mas era certamente mais quente nessa altura. Dependendo da distância a que se recua no tempo, pode ter havido climas que variavam entre o clima da actual Patagónia e algo mais próximo do tropical. Foi descoberto pólen de palmeiras antigas na Antárctida, não muito longe da costa do nosso local de estudo", acrescentou Jamieson.

Este tipo de ambiente teria provavelmente sido povoado por vida selvagem, acrescentou Jamieson, embora o registo fóssil da região seja demasiado incompleto para indicar quais os animais que a terão habitado.

O gelo sobre a paisagem antiga mede cerca de 2,2 a 3 km de espessura, segundo o co-líder do estudo Neil Ross, professor de ciências polares e geofísica ambiental na Universidade de Newcastle, em Inglaterra.

Os investigadores afirmaram que a terra por baixo deste gelo é menos conhecida do que a superfície de Marte. Segundo eles, uma forma de desvendar os seus mistérios seria perfurar o gelo e obter uma amostra do núcleo de sedimentos que se encontra por baixo. Isto poderia garantir provas que revelassem a flora e fauna antigas, como foi feito com amostras obtidas na Gronelândia com 2 milhões de anos.

O novo estudo utilizou observações por satélite da superfície do gelo, que nalguns locais seguia os contornos da paisagem enterrada, e dados de radar de penetração no gelo obtidos por um avião que sobrevoava o local.

Alguns estudos anteriores revelaram igualmente paisagens antigas sob o gelo da Antárctida, incluindo montanhas e planaltos, embora a paisagem descoberta no novo estudo seja a primeira deste tipo.

"A paisagem foi modificada por diferentes processos influenciados por rios, tectónica e glaciação durante um período muito longo de tempo geológico", disse Ross.

Antes de há 34 milhões de anos, a paisagem e a flora da Antárctida assemelhavam-se provavelmente às actuais florestas tropicais temperadas frias da Tasmânia, Nova Zelândia e região da Patagónia na América do Sul, acrescentou Ross.

A Antárctida já fez parte do supercontinente Gondwana, que também englobava o que é hoje a África, a América do Sul, a Austrália, o subcontinente indiano e a Península Arábica, mas acabou por se separar e ficar isolada num processo geológico chamado tectónica de placas.

Jamieson disse que os investigadores pensam que quando o clima da Antárctida era mais quente, os rios corriam através da paisagem recém-identificada em direcção a uma linha costeira continental que foi criada quando as outras massas de terra se separaram. Quando o clima arrefeceu, alguns pequenos glaciares formaram-se nas colinas junto aos rios, com os vales a aprofundarem-se devido à erosão glaciar.

"Depois, o clima arrefeceu de forma mais significativa e surgiu um manto de gelo que cobriu todo o continente, inundando os glaciares que existiam anteriormente. Quando esse gelo cresceu, as condições entre a base do gelo e a paisagem mudaram, tornando-se muito frias - e, desta forma, o gelo deixou de ser capaz de corroer a nossa paisagem. Em vez disso, a paisagem foi preservada, provavelmente durante 34 milhões de anos", acrescentou Jamieson.

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