Lobby dos combustíveis fósseis foram “atracções” de visita guiada em Bruxelas
Mais de 100 mil pessoas assinaram petição a pedir uma “política livre de fósseis”. Relatório da coligação Fossil Free Politics mostra cinco casos em que a política europeia foi influenciada por lobby.
Esta quarta-feira, uma visita guiada levou alguns jornalistas e activistas ambientais de autocarro a passear por Bruxelas: passaram pelos escritórios das empresas Iberdrola, TotalEnergies, ENI e Equinor e também da Associação Internacional de Produtores de Petróleo e Gás (IOGP, na sigla em inglês), com um salto ainda à representação permanente da República Checa na União Europeia, para falar sobre a empresa de energia EPH.
O que liga estas “atracções” inusitadas? Para a campanha Fossil Fuel Politics, trata-se de entidades que representam o lobby dos combustíveis fósseis na Europa. Os activistas acusam estas empresas de utilizar a crise energética para reduzir os impostos sobre lucros extraordinários, expandir o seu portfeólio de extracção de combustíveis fósseis e enfraquecer medidas que poderiam ter protegido melhor as populações mais vulneráveis.
A Fossil Free Politics (“Política Livre de Fósseis”) é uma coligação europeia de grupos de combate à pobreza, sindicatos e organizações de defesa do clima que luta por uma barreira entre a indústria dos combustíveis fósseis e a política climática. Esta coligação é coordenada pelas entidades Corporate Europe Observatory, Food and Water Action Europe, Friends of the Earth Europe, Global Witness e Greenpeace UE.
A coligação apela a uma barreira que impeça a indústria dos combustíveis fósseis de andar pelos corredores onde se elaboram políticas em matéria de clima e energia — e mais de 104 mil pessoas já assinaram uma petição a apoiar este apelo.
Ao final do passeio, perto da hora do almoço, activistas de Espanha, Itália, República Checa e Reino Unido, mas também de Moçambique, apresentaram as conclusões de um novo relatório da Fossil Free Politics que reúne alguns estudos de caso que mostram a influência das indústrias poluentes nas decisões políticas na Europa.
Casas frias, lucros quentes?
A coligação Fossil Free Politics dá os exemplos de Espanha, Itália, Reino Unido e República Checa, além da União Europeia, para afirmar que as empresas energéticas conseguiram minar algumas políticas que poderiam ter feito baixar as facturas de electricidade, diluíram os esforços para aumentar os impostos sobre os lucros inesperados durante a crise energética ou, noutro caso, conseguiram assegurar novas concessões para a extracção de combustíveis fósseis.
Pelo meio, os lucros das cinco maiores petrolíferas mais do que duplicaram, em 2022, para 200 mil milhões de dólares.
Nos últimos meses, a coligação Fossil Free Politics tem promovido uma campanha que contou, entre outras acções, com uma petição que reuniu 104 mil assinaturas para “retirar a indústria de combustíveis fósseis da política”. Mais de 100 organizações da sociedade civil e sindicatos juntaram-se a este apelo, assim como eurodeputados de três grupos presentes no Parlamento Europeu (Verdes, Esquerda e Socialistas & Democratas).
Em comunicado enviado pela Greenpeace, a coordenadora da coligação Fossil Free Politics, Chloé Mikolajczak, afirma que “pedir às empresas petrolíferas para darem conselhos sobre esta crise é como pedir a uma raposa para dar conselhos sobre a concepção de um galinheiro”.
“Os políticos têm a responsabilidade de proteger as pessoas — do colapso climático e da ganância das empresas —, por isso têm de colocar uma barreira entre as suas decisões e as empresas por detrás desta destruição”, defende ainda a activista.
Estudos de caso
Que provas há de que os poluidores influenciam os políticos “para que ponham os lucros à frente das pessoas”? Ao nível da União Europeia, o relatório mostra como a Associação Internacional de Produtores de Petróleo e Gás (IOGP) tem exercido influência sobre a Comissão Europeia. A IOGP defende a manutenção do uso de gás natural (“gás fóssil”, como insistem os activistas) e nas “falsas soluções” e tecnologias para prolongar o recurso a energias não-renováveis, como a captura de carbono ou a infra-estrutura de hidrogénio.
Em Espanha, as empresas de energia Endesa, Naturgy e Iberdrola “recorreram a uma complexa rede de manobras políticas, jurídicas e de relações públicas” para combater as medidas que reduziriam os seus lucros e poderiam ter reduzido o fardo financeiro sobre as famílias mais vulneráveis, alega a coligação.
Em Itália, lê-se no relatório, a gigante do petróleo e do gás ENI “utilizou a crise para garantir mais perfurações e novos terminais de gás natural liquefeito” (GNL),
Na República Checa, a empresa EPH “valeu-se de ameaças públicas, de um poderoso império dos media e de laços com o partido no poder” para atrasar e enfraquecer o imposto sobre lucros excessivos.
Já fora da UE, no Reino Unido, a associação Offshore Energies UK (OEUK) utilizou o seu acesso privilegiado, organizando “ostentosas recepções” com parlamentares e participando em “grupos consultivos especiais” para garantir que o imposto sobre os lucros excepcionais fosse enfraquecido, acabando com diversas lacunas.