Presidente guineense condecorado por Marcelo: “Eu não tenho nada de ditadura”

Embaló diz que lhe chamam ditador por querer “repor a ordem e a disciplina”. Sumaila Djaló, do movimento Firkidja di Pubis, critica Portugal por apoiar um “Presidente antidemocrático”.

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Marcelo Rebelo de Sousa recebendo Umaro Sissoco Embaló junto aos Jerónimos ANTONIO PEDRO SANTOS/LUSA
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O Presidente da Guiné-Bissau figura, desde esta terça-feira, entre os ilustres detentores do Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, como o imperador Akihito, do Japão, Nelson Mandela, Lech Walesa ou François Mitterrand. Marcelo Rebelo de Sousa distinguiu o seu homólogo com o mais alto grau da Ordem portuguesa e Umaro Sissoco Embaló aceitou o colar com um discurso em que se afirmou como defensor da “ordem” e da “disciplina”, mas garantiu que não era nenhum ditador, como lhe chamam.

“Muitas vezes em África, quando queremos repor a ordem e a disciplina, as pessoas tratam-nos como ditadores”, disse Embaló, citado pela Lusa. “Ora, eu não tenho nada de ditadura, sou uma pessoa afável sou como o Presidente Marcelo, sou um homem do povo, não posso ser ditador”, disse, citado pela Lusa.

Marcelo Rebelo de Sousa concorda, tendo elogiado o seu homólogo por ter conseguido a “estabilização institucional” na Guiné-Bissau, “que se traduz neste momento em viver o que Portugal já vive”, uma “coabitação estabilizada”. O chefe de Estado foi mais longe e resolveu até puxar de galões de constitucionalista, para dar a Embaló o apoio à sua visão executiva do cargo de Presidente: “O sistema guineense é ‘presidencializante’, dentro do semipresidencialismo, o que implica um contacto executivo forte, em conjunto naturalmente com o Governo guineense.”

Sumaila Djaló, do movimento político Firkidja di Pubis (Forquilha do Povo), que escreveu esta semana uma carta ao Presidente português mostrando a “profunda indignação” pelo apoio dado a Embaló, que permite “higienizar” um líder que é tudo menos democrático, está longe de concordar com a apreciação de Marcelo Rebelo de Sousa.

“Com Umaro Sissoco Embaló na Presidência da Guiné-Bissau temos tido um país com graves problemas de violência do Estado sobre pessoas indefesas e sobre políticos da oposição”, explica ao PÚBLICO. “Tem havido raptos, espancamentos e perseguições políticas a vozes discordantes do regime de Embaló e o Estado português tem dado apoio a este Presidente antidemocrático, autoritário, absolutista e ditador”, acrescenta Djaló, aluno de doutoramento em Discursos: cultura, história e sociedade na Universidade de Coimbra.

Ao lado de Marcelo, Embaló chamou para si os louros de ter conseguido, na sua perspectiva, “reposicionar a Guiné-Bissau no concerto das nações” e que foi “para balizar isso” que se esforçou para “disciplinar” a Guiné-Bissau, de modo a conseguir ter a “estabilidade” necessária para mostrar ao mundo que “não há pequenos Estados, só pequenos países”.

Uma visão que choca com a perspectiva de muitos guineenses, sobretudo na diáspora, onde têm mais liberdade para criticar um Presidente que, desde que assumiu o poder há menos de quatro anos, se tem mostrado pouco adepto do contraditório.

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Sumaila Djaló (com o magafone) durante um protesto junto ao Palácio de Belém DR

“Embaló procura distrair o povo guineense e, a partir de Portugal, a comunidade internacional, sobre a realidade que temos vivido no nosso país com agressões às liberdades democráticas e eliminações de todas as possibilidades de liberdade de expressão, de manifestação, de reunião”, sublinha Djaló. Para dar um exemplo claro disso mesmo, aí está a resposta do chefe de Estado guineense à carta enviada pelo Firkidja di Pubis, chamando aos autores “quatro ou cinco falhados”, pessoas “pagas” para fazer um serviço encomendado. O Presidente guineense não disse quem pagou a encomenda, mas não é preciso ser génio para deduzir que se trataria do PAIGC, partido que actualmente tem a chefia do Governo e a presidência da Assembleia Nacional Popular.

Sumaila Djaló ri-se, garante que nenhum membro do movimento é militante do antigo partido único. “Muitos de nós que fazemos parte deste movimento político somos também conhecidos por protestar contra governos do PAIGC” e, lembra, “até beneficiando a família política do Umaro Sissoco Embaló”, como os protestos de 2019 e 2020 que ajudaram o actual Presidente a chegar ao poder.

“Quando as vozes não lhe são convenientes, as suas respostas não partem de argumentos que tentem convencer”, explica o activista, antes recorrem à “chacota” ou mesmo até expressões de “baixo nível”, algo “lamentável para quem é Presidente da República”.

Embaló, que esta terça-feira começou a primeira visita de Estado de um Presidente da Guiné-Bissau a Portugal (até quarta-feira), como o próprio tem salientado e como o primeiro-ministro, António Costa, fez questão de sublinhar depois de o receber em São Bento.

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