Poderá o H2 colocar Portugal no centro da Europa?

O potencial do hidrogénio em Portugal é imenso e, nos últimos anos, tanto a nível nacional como europeu, este tem sido um sector no epicentro do debate.

Foto
Ouça este artigo
00:00
06:56

A Estratégia da União Europeia (UE) para o hidrogénio, publicada em Julho de 2020, insere-se no Pacto Ecológico Europeu, e pretende alcançar a neutralidade carbónica em 2050. A meta estabelecida de consumo de hidrogénio verde na UE até 2030 é de 20 milhões de toneladas. Deste volume, 10 milhões deverão ser produzidas pelos Estados-membros e os restantes 10 importados de outros países. Portugal aposta no sector enquadrado no mix renovável. Contudo, há barreiras e desafios pela frente: desde o licenciamento ambiental e industrial dos electrolisadores até ao acesso à rede pública de electricidade.

Quando se fala em hidrogénio é importante começar pelo seu conceito, ainda envolto em algumas dúvidas para muitos portugueses. No âmbito da transição energética, a Estratégia do Hidrogénio consiste numa visão de futuro usando o hidrogénio (H2) como fonte de energia de baixo carbono. Actualmente tem já diferentes aplicações, como vector de armazenamento ou valorização energética renovável, como complemento/substituto ao gás natural, combustível (por exemplo, substituindo a gasolina para transporte, ou o gás natural para aquecimento) e outras aplicações associadas às pilhas de combustível estacionárias ou móveis.

Com o eclodir da guerra na Ucrânia, em Fevereiro de 2022, foram muitas as debilidades criadas no sector energético mundial, com particular ênfase na Europa. A necessidade de avançar com a produção de hidrogénio renovável adensou-se, não só com a criação do Banco de Hidrogénio da UE, como com leilões que irão avançar já no próximo Outono. O primeiro leilão-piloto abre em Novembro próximo e os termos e condições são já conhecidos. Ao todo, os produtores irão ter disponíveis 800 milhões de euros, sendo que se prevê que o financiamento do sector até 2030 chegue aos 20 milhões de toneladas de hidrogénio (10 milhões oriundas dos Estados-membros e outros 10 importados).

Mas, em Portugal, a aposta começou bem antes da guerra, com a Resolução do Conselho de Ministros, de 30 de Julho de 2020, que define a Estratégia Nacional para o Hidrogénio. Este é o documento que baliza a visão do País nesta matéria. E, entre as várias metas até 2030, destacam-se: 10 a 15% de injecção de hidrogénio verde nas redes de gás natural; 2 a 5% de hidrogénio verde no consumo de energia na indústria; 1 a 5% de hidrogénio verde no consumo de energia do transporte rodoviário; 3 a 5% de hidrogénio verde no consumo de energia do transporte marítimo doméstico; e 1,5 a 2% de hidrogénio verde no consumo final de energia.

No nosso país, o hidrogénio verde produzido provém, essencialmente, do projecto de 50 MW no Seixal, que injecta na rede de gás o hidrogénio produzido com electricidade proveniente do solar fotovoltaico. Porém, já foi definida a meta de 5,5 GW de electrolisadores até 2030, em que a energia virá também de eólico (onshore e offshore) e solar. A previsão para os outros países passa também pela produção fotovoltaica e eólica, ainda sem quotas específicas atribuídas, segundo dados divulgados pela Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).

Importante nesta estratégia é também a primeira versão da revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030, publicada pelo Ministério do Ambiente e Acção Climática, em Junho de 2023.

Esta primeira versão foi submetida à Comissão Europeia e os trabalhos de revisão do Plano continuarão nos próximos meses, envolvendo a sociedade civil, o Conselho para a Acção Climática e a Assembleia da República, tendo em vista a submissão de uma versão final a Bruxelas até 30 de Junho de 2024.

Licenciamento e dependência energética

Uma das grandes barreiras a ultrapassar é a questão do licenciamento. Por essa razão, e para incentivar a uniformização de procedimentos dos intervenientes no sector e minimizar a complexidade dos procedimentos, a DGEG publicou a 13 de julho deste ano uma nota interpretativa para “promover a clareza e transparência sobre as questões envolvidas no licenciamento industrial de hidrogénio renovável em Portugal”. Objectivo: diminuir a complexidade dos procedimentos. Além disso, é exigido aos produtores que especifiquem, entre outros aspectos, “a matéria-prima utilizada para a produção dos gases e o processo ou tecnologia usados na sua produção”.

Na mesma nota admitem-se constrangimentos que se colocam ao sector, sendo que “o potencial crescimento da actividade de produção de gases de origem renovável e de gases de baixo teor de carbono, continua a levantar inúmeras questões novas”, em áreas que vão desde a produção, à distribuição e ao consumo, muitas das quais ainda em discussão a nível europeu, pelo que o processo de certificação de gases, em especial o hidrogénio renovável, “levará tempo a ser operacionalizado na sua forma definitiva”.

Portugal é um dos países com menores custos de produção a nível europeu

De acordo com o último relatório anual disponível (2022) da Hydrogen Europe, que dá conta de um balanço anual do sector do hidrogénio, até agosto do ano passado, em todo o Mundo, 27 países tinham adoptado documentos nacionais de política/estratégia para o hidrogénio, estando outros 31 em diferentes fases de preparação. A Europa continua a liderar, com 16 países com estratégias nacionais, 14 dos quais são Estados-membros da UE.

Segundo a Hydrogen Europe, Portugal apresenta um dos menores custos de produção de hidrogénio verde a nível europeu. A muito recente rede de gás natural é também um factor de competitividade, na medida em que permite maiores níveis de incorporação, sendo que, em Março de 2023, a rede de gás natural recebeu a primeira injecção de hidrogénio verde, com um projecto pioneiro que permitiu abastecer 82 clientes.

É importante salientar ainda as novas interconexões de hidrogénio - por via terrestre (corredores terrestres nacionais ligando a Figueira da Foz e Monforte ao CelZa; H2Ring em Sines; corredor verde H2Med/CelZa ligando Portugal a Espanha e daí ao resto da UE) e por via marítima (novos corredores marítimos como o projecto ‘H2SinesRdam’) permitem reforçar o potencial industrial do país, facilitando a circulação de H2 e potenciar a sua capacidade exportadora.

O projecto ‘H2Med/CelZa’ corresponde à criação de uma interligação de hidrogénio renovável entre Portugal e Espanha ligando Celorico da Beira (Portugal) a Zamora (Espanha). Já o projecto ‘H2Med/BarMar’ desenvolver-se-á em gasoduto marítimo ligando Barcelona (Espanha) a Marselha (França). Este projecto constituirá um corredor de energia verde que liga Portugal ao mercado europeu e permitirá, no seu conjunto, responder a 10% da procura de hidrogénio da UE, assegura o Ministério do Ambiente.

Uma coisa é certa, o mercado do hidrogénio está em crescimento bem como aumentam as ambições da indústria em geral. Para isso, também contribuiu o facto de os custos de produção começarem a ser competitivos. Mas o futuro deste sector vai depender, acima de tudo, da estratégia política de cada país e das condições de investimento que possam existir.


Este conteúdo está inserido no projecto "Hidrogénio: que caminho para Portugal?", que inclui ainda um podcast, case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema do hidrogénio em Portugal. Saiba mais aqui.

Sugerir correcção
Comentar