Sustentabilidade irá tornar-se uma utopia
O desenvolvimento sustentável é aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer as necessidades futuras, preservando o equilíbrio do ecossistema. Toda a intervenção humana sobre os recursos naturais para satisfazer necessidades deve, pelo princípio da precaução, ocorrer apenas se estiver garantida a inexistência de impactos negativos no ecossistema.
Na ausência de conhecimento e de avaliação dos impactos negativos, toda e qualquer acção humana sobre o sistema natural deve obrigatoriamente ser evitada. Os casos da exploração mineira no fundo marinho, actualmente em discussão, e a exploração de petróleo no Árctico são bons exemplos.
Habitualmente, consideramos como mais importante a resposta às necessidades da sociedade, esperando que a garantia do equilíbrio do ecossistema surja naturalmente. Talvez tenha sido por essa razão que no passado recente todos os desenvolvimentos económicos e tecnológicos tenham resultado essencialmente na satisfação das nossas necessidades sem se terem evitado os impactos negativos sobre o ecossistema e a biodiversidade.
Genericamente podemos dividir a sustentabilidade nas componentes ambiental, climática, social e económica. E estas podem ainda ser agrupadas em duas componentes principais: sustentabilidade climático-ambiental e sustentabilidade socioeconómica. Apesar da sua inter-relação, a primeira está ligada ao “ecossistema natural” ou ecossistema global e a segunda ao “ecossistema humano” ou sociedade.
Esta divisão é extremamente útil para avaliar a viabilidade das medidas actuais de sustentabilidade que estão a ser implementadas na mitigação climática e ambiental. Pois, se considerarmos apenas a sustentabilidade socioeconómica, subestimando a componente climático-ambiental, acabamos por cair numa via insustentável. É que, sem um ambiente saudável e um clima propício à preservação da biodiversidade, nenhuma medida de sustentabilidade socioeconómica vingará, porque o ecossistema humano é um subsistema do ecossistema natural.
Esta perspectiva está relacionada com um dilema actual da humanidade que identifico: face à actual crise, devemos preocupar-nos primeiro em salvar a economia ou em salvar o clima? A sociedade tem persistido em salvar primeiro a economia, para depois poder, eventualmente com o crescimento económico, salvar o clima. Isto é o que tem demonstrado a prática política, mas também a evolução dos indicadores climáticos face à evolução dos indicadores socioeconómicos nas últimas décadas (ver artigo anterior).
Primeiro a economia, porque sem crescimento económico não se gera emprego, não há capacidade de investimento e, consequentemente, de inovação. Sem inovação e investimento não há transição digital, não há transição energética e, consequentemente, não haverá descarbonização. Esta é a visão que tem imperado, a qual tem resultado num impasse na mitigação das alterações climáticas, dos impactos ambientais e da perda de biodiversidade. O que tem conduzido a um paradoxo: as medidas de combate às alterações climáticas têm gerado mais alterações climáticas.
As soluções de sustentabilidade que têm vindo na generalidade a ser adoptadas exigem uma maior produção de energia primária (projectam-se aumentos de 50% da produção de energia primária até 2050), de tal forma que se tornará cada vez mais difícil a transição energética. Por outro lado, sem crescimento económico não há investimento suficiente para a transição energética. O crescimento económico necessário à inovação e investimento, que conduz à via de sustentabilidade adoptada nas economias desenvolvidas e emergentes, leva ao aumento de consumo energético.
Como o aumento da produção de energia, no mix energético actual, não pode ser exclusivamente feito com o aumento das renováveis sem a ajuda das energias fósseis, o crescimento económico leva-nos normalmente ao aumento das emissões de carbono. É exactamente o que se tem verificado nos últimos 40 anos. O preço da tão desejada sustentabilidade climático-ambiental, por via das soluções socioeconómicas, numa lógica de business as usual, é a impossibilidade de mitigação das alterações climáticas e dos impactos ambientais nocivos à biodiversidade e ao equilíbrio e estabilidade do ecossistema global.
A produção de hidrogénio, a dessalinização, a captura e sequestro de carbono, a mobilidade eléctrica, o conforto térmico, a mineração do fundo marinho, a mineração de criptomoedas, a computação quântica e a inteligência artificial são exemplos de tecnologias e de novos processos da economia mundial que, paralelamente ao aumento demográfico mundial, vão exigir aumentos adicionais da procura de energia primária, bem como de recursos minerais, principalmente de terras raras. Ora, a transição energética com vista à descarbonização exige que o aumento de produção de energia renovável satisfaça, simultaneamente, o aumento de consumo e a redução de produção de energia de origem fóssil. À luz da minha visão suportada numa análise matemática, esta via mostra-se-me INSUSTENTÁVEL.
Adoptámos há cerca de duas décadas, reforçado pelo Global Green New Deal das Nações Unidas em 2009, o conceito de “economia verde”. Tratava-se, à partida, de uma mudança de paradigma económico, que viria substituir globalmente a economia linear de crescimento, suja e altamente emissora de gases de efeito de estufa, por um novo modelo de economia limpa, com menos emissões, muito ecológica e, por isso, verde.
No final, contudo, o que fomos observando ao longo do tempo foram essencialmente estratégias de marketing ou técnicas de imagem que, mesmo aparentemente verdes, não passavam de paliativos ecológicos que em nada mudaram a velha “cor” da economia, e muito menos a trajectória das emissões. Tal foi a desilusão que começámos a usar cada vez menos esse termo e a ouvir termos como o greenwashing, ou seja, o branqueamento ecológico ou ambiental. Verde por fora, negro por dentro!
Face ao insucesso do conceito de “economia verde”, passámos, em minha opinião, para outras novas formas de camuflar a realidade ecológica da economia mundial. Passámos a introduzir novos conceitos, como o da “economia azul”, da “economia circular” e da “sustentabilidade”. É certo que desejaríamos alcançar uma verdadeira economia circular, um modelo de economia estacionário (como a permacultura), ou seja, um modelo de “prosperidade sem crescimento”. Pois seria essa a via que estaria mais de acordo com os princípios básicos do conceito de sustentabilidade climático-ambiental do nosso ecossistema global. Mas estaremos predispostos, globalmente, a aceitar e implementar essa mudança de paradigma?
Estes novos conceitos não serão novas formas de esconder os velhos problemas? Não estaremos a fazer o mesmo com eles como o que fizemos ao da “economia verde”? Em termos da evolução recente dos indicadores climático-ambientais não se vê qualquer impacto, nenhuma redução dos impactos negativos. Ou não sabemos o que é sustentabilidade ou não percebemos a gravidade do problema. Estarei errado?!