O que quer o Governo mudar no IUC? Porque é tão polémico?

A “reforma ambiental do IUC” está a acausar polémica no debate sobre o Orçamento do Estado para 2024. O que falha na proposta do Governo? O que pedem os proprietários? E os ambientalistas?

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Carros anteriores a Julho de 2007 e motociclos passam a pagar a "componente ambiental" do IUC Paulo Pimenta
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Metade dos veículos ligeiros do país são anteriores a 2007 e esta velha frota não paga a chamada “componente ambiental” do Imposto Único de Circulação (IUC). Na proposta do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) apresentada pelo Governo, isso vai mudar. A nova medida vai abranger os três milhões de carros da categoria A (ou seja, com mais de 16 anos) e meio milhão de motociclos, que passam a pagar pelo carbono que emitem.

Na última semana, o debate político do Orçamento do Estado tem-se centrado nesta subida do IUC, que tem sido criticada pela oposição tanto à esquerda como à direita. Porquê tanta discussão à volta desta “reforma ambiental” do imposto?

O que é o IUC?

O Imposto Único de Circulação surgiu em 2007, quando entrou em vigor a reforma da tributação automóvel. O antigo Imposto Automóvel deu lugar ao Imposto sobre Veículos (ISV) e o Imposto Municipal sobre Veículos foi substituído pelo IUC. Os veículos ligeiros de passageiros com matrícula pós-2007 (categoria B do IUC) passaram a ser tributados com base na cilindrada e nas emissões de dióxido de carbono (CO2). Os carros da categoria A (anteriores a 2007) ficaram com uma tabela própria, sem esta chamada “componente ambiental”.

Cerca de seis milhões de veículos pagaram o IUC em 2022. Apesar de cerca de metade da frota nacional se enquadrar na categoria A (pré-2007), os carros da categoria B (pós-2007), a outra grande fatia, representam cerca de 79% do imposto. Ou seja, como enquadra o ministro das Finanças, Fernando Medina, a tributação dos automóveis pré-2007 é, em média, “cerca de um quarto da das viaturas mais recentes, sendo que as mais recentes são as menos poluentes”.

Em 2023, estima-se que a receita fiscal de IUC (que é parcialmente entregue aos municípios) seja de 488,6 milhões de euros.

O que o Governo quer mudar no IUC?

No OE2024, o Governo propõe uma “reforma ambiental do IUC” para carros mais antigos. “É incrementado o IUC para veículos anteriores a 2007, como medida complementar para o reforço da renovação das frotas nacionais”, lê-se no documento apresentado a 10 de Outubro. Serão abrangidos três milhões de veículos ligeiros (categoria A) e meio milhão de motociclos (categoria E).

Em 2024, este agravamento terá um aumento máximo limitado a 25 euros por ano (cerca de dois euros por mês), mas o Governo indica desde logo que este limite será progressivamente aumentado nos próximos anos, “até que a taxa de IUC represente a totalidade da tributação relativa ao CO2 emitido por estes veículos”.

A receita extra neste primeiro ano será de 82 milhões de euros.

Há medidas de compensação?

A subida do IUC para carros anteriores a 2007 surge no OE2024 como um complemento ao programa de incentivo ao abate de veículos em fim de vida. O Governo pretende investir 129 milhões de euros neste programa, que será financiado pelo Fundo Ambiental. O objectivo é apoiar o abate de 45 mil veículos com mais de 16 anos – ou seja, em média, com uma compensação de cerca de três mil euros por veículo.

O valor poderá ser usado para “a aquisição de um veículo novo ou usado com zero emissões (até quatro anos), de veículo novo a combustão interna com emissões reduzidas, de bicicletas de carga, ou tome a opção de depósito em Cartão da Mobilidade (para aquisição de serviços de transporte público e mobilidade partilhada)”, refere o relatório que acompanha a proposta de OE2024.

Haverá também “um incentivo específico relativamente à aquisição de viaturas eléctricas” que está previsto dentro do orçamento do Ambiente. De acordo com Fernando Medina, o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, deverá especificar esses incentivos “em breve”.

Que problemas existem?

Para a associação ambientalista Zero, apesar de ser “legítimo e desejável” que o critério das emissões de dióxido de carbono em sede de IUC seja estendido aos automóveis anteriores a 2007, o aumento desse imposto não deve ser uma medida “socialmente regressiva”, como parece ser o caso. Em causa estão veículos “mais antigos e de menor valor comercial cujos proprietários, por regra, apresentam rendimentos baixos”.

Os dados da Associação Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) confirmam que os portugueses estão a atrasar cada vez mais o fim de vida dos carros: a idade média dos veículos entregues para abate em 2021 rondava os 23,5 anos, quando em 2006 se fixava nos 16 anos.

O OE2024 também prevê um investimento nos sistemas de transportes públicos, com foco nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, mas a verdade é que o Governo não tem associado esta medida a uma forma de compensação pelo aumento no IUC.

Além disso, em termos de transportes públicos, continuam as disparidades entre as grandes cidades do litoral e o interior do país. Em comunicado, a Plataforma P’la Reposição das SCUT na A23 e A25 recorda que até agora não foi apresentado o Plano de Mobilidade para o Interior. A plataforma, que reúne utentes, empresas e sindicatos, alega que as empresas transportadoras de passageiros receberam “dinheiro que devia ser para diminuir o preço dos passes sociais dos utentes e dos demais transportes públicos”, mas os passes sociais continuam a ser mais caros do que nas áreas metropolitanas, dando o exemplo do custo de “mais de 100 euros por mês” numa freguesia rural da Covilhã.

O que é que isto tem que ver com as ex-Scut?

De acordo com o Governo, o nivelamento gradual do IUC é uma medida de cariz puramente ambiental. Contudo, a mudança coincide com uma redução de 30% nas portagens no interior do país e no Algarve anunciada no final de Setembro, que abrange as ex-Scut A23, A24 e A25, assim como A4, A13/A13-1 (radial de Coimbra) e A22. O Governo tinha afirmado que esta perda de receitas – o desconto nas ex-Scut equivale a cerca de 72,4 milhões de euros seria compensada por outras vias.

Em comunicado de imprensa, a associação ambientalista Zero faz notar que, se o Governo quer tributar emissões por via do IUC enquanto estratégia ambiental, “não faz sentido” que, por outro lado, incentive emissões de CO2 por via da redução dos custos das portagens. Aliás, para a Zero, o desconto nas portagens não deve sequer existir, já que considera esta redução “um subsídio à rodovia e aos combustíveis fósseis, o que choca violentamente com as boas práticas em termos de políticas públicas ambientalmente responsáveis”.

O que se passa nos outros países?

De acordo com a Associação Europeia dos Fabricantes de Automóveis (ACEA), 24 países da UE aplicam algum tipo de imposto parcial ou totalmente baseado nas emissões de CO2 ou no consumo de combustível dos veículos, seja no momento da aquisição ou nos impostos aos proprietários. São 17 os países (incluindo Portugal) onde existem impostos aos proprietários directa ou indirectamente baseados nas emissões de CO2.

Os países taxam os automóveis em função da potência, do preço, do peso, da cilindrada ou de uma combinação destes factores, indica a associação. Os três países que não aplicam nenhuma taxa com base nas emissões de CO2 são a Estónia, a Lituânia e a Polónia.

A mudança em impostos relacionados com emissões, se não for acompanhada de medidas compensatórias para grupos mais vulneráveis, pode ter efeitos explosivos. Os protestos dos “coletes amarelos” em França, que começaram em 2018, foram em parte desencadeados pelo aumento dos impostos sobre os combustíveis para combater as alterações climáticas. A medida foi a gota de água que suscitou protestos que levaram centenas de milhares de pessoas à rua e a confrontos violentos com a polícia ao longo de vários meses. No Reino Unido, este ano, a expansão das Zonas de Emissões Ultra Baixas (ULEZ) em Londres gerou grandes protestos entre a população, em particular das regiões vizinhas para as quais não há alternativas de transportes públicos.

Quais são as alternativas?

Para os autores da petição pública “Contra o aumento previsto do IUC para automóveis anteriores a 07-2007”, a transição energética “não deve servir de pretexto para todas as medidas fiscais”.

Por exemplo, os veículos eléctricos, que actualmente estão isentos do pagamento do IUC, devem ser taxados, já que, “em grande parte, aqueles que adquirem veículos eléctricos são empresas e indivíduos com maior capacidade financeira”. Pelo contrário, os proprietários de veículos com mais de 16 anos, que muitas vezes não têm condições para a troca, “simplesmente desejam não ser ainda mais sobrecarregadas com encargos fiscais desproporcionados”.

“Propomos que os veículos eléctricos comecem a pagar o IUC de acordo com a potência dos seus motores”, sugerem os autores da petição.

Reforçando também que o IUC “não deve penalizar cegamente os proprietários” de automóveis com menores rendimentos, a associação ambientalista Zero faz notar que a cilindrada do motor é um critério “desactualizado que não reflecte adequadamente” os impactos dos automóveis, e a taxação deve ter antes em conta as emissões de dióxido de carbono constantes do Documento Único Automóvel.

Para a Zero, também o peso do veículo deve entrar como critério no apuramento do imposto, já que os automóveis mais pesados “causam um desgaste adicional no pavimento das estradas, representam maiores riscos em caso de acidente e possuem uma pegada ecológica de fabrico maior (incluindo os eléctricos)”.