Jonathan Bird: “Os oceanos estão a ser alvo de uma enorme pesca excessiva”

Realizador subaquático norte-americano tem visto a mudança da vida marinha causada pelas alterações climáticas. Algum do seu trabalho tem sido feito em Portugal – dos Açores a Sesimbra.

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Jonathan Bird tem visto grandes mudanças na vida marinha enquanto realiza os seus filmes Rui Gaudêncio
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O oceano é como uma segunda casa para Jonathan Bird. O norte-americano fez o seu primeiro mergulho quando estava na escola secundária e, a partir daí, nunca mais parou. A sua grande missão é mostrar o que vê nesses mergulhos em fotografias, filmes e programas televisivos.

Actualmente, o seu programa no YouTube, o Blue World, tem mais de um milhão de subscritores. E até há alguns episódios de mergulhos em Portugal. “Em todos estes lugares, observámos águas claras e azuis, naufrágios fantásticos e muita vida marinha”, descreve o realizador, de 55 anos. A sua última paragem em Portugal foi no Diving Talks, um encontro que decorreu em Lisboa, no Museu de Marinha, de 6 a 8 de Outubro, e juntou vários oradores ligados ao mergulho e à conservação do oceano.

A conservação oceânica tem também preenchido a vida de Jonathan Bird, que tem visto nos seus mergulhos a mudança da vida marinha. Actualmente, é presidente do Grupo de Investigação do Oceano, que promove a conservação do oceano. “A minha grande preocupação é com a pesca excessiva. Actualmente, os oceanos dão proteína a cerca de 30% do nosso planeta”, afirma em entrevista ao PÚBLICO.

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Jonathan Bird com tubarões nas Bahamas DR

Como se pode contribuir para a conservação do oceano através de filmagens subaquáticas?
Sou sempre suspeito, porque sou realizador de filmes, mas sinto que, entre todas as pessoas que se dedicam à conservação do oceano, os realizadores terão o maior impacto. Primeiro, de forma geral, a comunidade do mergulho é muito “pró-oceano”, porque o conseguimos ver na sua essência. Já mergulho há cerca de 35 anos e tenho visto uma grande mudança na saúde dos oceanos e na quantidade de vida marinha, sobretudo em Nova Inglaterra, onde vivo. Os mergulhadores vêem isto, mas não têm propriamente a capacidade de fazer as pessoas compreender essa mudança.

Mas como consegue mostrá-lo?
Cada vez que se mostra o amor pelo oceano num filme, há pessoas que respondem de forma positiva. No meu programa no YouTube – o Blue World –, tento não estar sempre a dizer coisas deste género: “Agora vou falar da acidificação dos oceanos.” Prefiro partilhar o meu entusiasmo pela saúde dos oceanos e pela vida marinha nos oceanos. Como resultado disso, tenho comentários no meu canal de YouTube todos os dias, como: “Quero ser mergulhador”, ou aprendi a fazer mergulho por causa deste programa.” Assim sei que as pessoas estão a ver e a responder positivamente ao programa. Esta é a coisa mais positiva que, possivelmente, posso fazer.

Desde que começou a ser mergulhador, quais foram as maiores diferenças que notou no oceano causadas pelas alterações climáticas?
A maior mudança que vi no oceano foi em Nova Inglaterra, porque as correntes [oceânicas] mudaram. Além disso, a temperatura média dos oceanos aumentou cerca de meio grau na maioria dos lugares, mas em Nova Inglaterra observámos uma subida de cerca de seis graus [em alguns locais, em outros variou dos três aos seis]. A vida marinha mudou completamente por causa disso. Há espécies que só via mais a sul e há animais que costumavam estar só em águas mais frias que desapareceram. Desapareceram completamente! Tudo isto afectou a pesca da lagosta. Tínhamos uma pesca da lagosta próspera e sustentável, mas as lagostas movimentaram-se mais para norte. Agora, a melhor pesca da lagosta é no Canadá e já não é em Nova Inglaterra. As mudanças climáticas têm afectado as cadeias marinhas alimentares e a alimentação.

Como introduz as alterações climáticas nos seus vídeos?
Não passo muito tempo a falar directamente disso, porque as pessoas não gostam de estar sempre a levar sermões. Faço-o de forma subtil. Falo mais nisso e de forma mais abrangente nos nossos filmes em formato Imax. Fiz um filme, o Ancient Caves, que está, neste momento, nos cinemas em algumas partes do mundo. Nesse filme, seguimos uma paleoclimatóloga, a Gina Moseley, à volta do mundo. Ela é uma especialista no estudo do ambiente do passado a partir da investigação das grutas. Tentámos perceber como o seu trabalho nos pode dar pistas sobre as alterações climáticas na era moderna.

O seu trabalho mostra aquilo que não conseguimos ver – o mundo dos oceanos. Para isso, uma das suas formas de o mostrar tem sido o seu programa no YouTube, Blue World. Qual é o objectivo desse programa?
O Blue World mostra a minha paixão pelo mergulho e a filmagem da vida marinha. Comecei um programa de televisão nos Estados Unidos, em 2008, e depois passou para mais de 20 países. Em 2012, percebi que as pessoas estavam mais no YouTube e o programa passou a estar lá. Hoje, o programa tem quase 1,2 milhões de subscritores e é, provavelmente, o programa sobre mergulho subaquático mais visto do mundo. Esta tem sido uma oportunidade de partilhar o meu entusiasmo por algo que adoro – o oceano.

Quais são os grandes desafios de filmar debaixo de água?
O maior desafio é o financiamento – e isto aplica-se a qualquer realizador. O problema é ter dinheiro para fazer o que fazemos, como ter de viajar até outra parte do mundo para fazer os nossos episódios. Aliás, em muitos dos lugares onde vou fazer as filmagens faço-o porque sou convidado. Foi o caso de Portugal. O Arlindo [Serrão, que foi o organizador do Diving Talks] viu o programa e enviou-nos um email: “Ei, e que tal considerarem fazer um programa em Portugal?” Disse logo: “Os Açores estão na minha lista há já muito tempo. Quero muito fazer um programa lá.”

Como descreve essa experiência de mergulho em Portugal?
Estive na minha primeira viagem a Portugal há dois anos. Começámos essa viagem com alguns mergulhos em Sesimbra em naufrágios e recifes. E nem queria acreditar: esse era o oceano Atlântico que estava ligado ao oceano Atlântico em que eu vivia e mergulhava [Jonathan Bird vive na área de Boston, que é banhada pelo Atlântico], mas tem tantas coisas diferentes... O que mais me impressionou foi ver animais de água fria e água quente no mesmo lugar. De certa forma, lembrou-me as Galápagos, que tanto têm peixes tropicais como de água fria. Vi também muitos polvos e adorei brincar com eles! Mas nunca comeria nenhum deles. Sei que em Portugal adoram comer polvo, mas não aconselho, porque são demasiado simpáticos [risos].

Depois de termos estado em Sesimbra, fomos para Porto Corvo e mergulhámos num local que tinha garrafas de vinho antigas. Foi fascinante... De seguida, fomos para a Madeira e Porto Santo. Em todos estes lugares, observámos águas claras e azuis, naufrágios fantásticos e muita vida marinha. Tudo isto está em episódios do Blue World.

Aqui, em Portugal, também mergulhei em grutas na zona de Alcanena. Este Verão estive nos Açores, em Santa Maria e em São Miguel. Fiz lá muitos mergulhos, mas ainda quero descobrir mais nos Açores! Quero voltar no próximo ano para filmar nas Desertas.

Navio naufragado em Portugal DR
Jonathan Bird em Porto Santo DR
Jonathan Bird em Porto Santo DR
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Navio naufragado em Portugal DR

Em que projectos está agora envolvido?
Estou a trabalhar em episódios para o Blue World. Também estamos a trabalhar num novo filme sobre golfinhos. Vai sair no próximo ano.

Em todos estes anos, já alguma vez esteve em perigo enquanto fez mergulho?
Já tive uma série de avisos, mas é o tipo de coisas que se está à espera. A maior parte das pessoas pensa que o grande perigo está no ataque de tubarões, mas a grande parte das lesões que tive foram causadas por ouriços-do-mar ou por minha própria culpa. Também já tive experiências que não foram tão boas, sobretudo ligadas à profundidade. Já estava numa profundidade tão grande que sabia que estava a fazer algo que não deveria estar a fazer. Mas quase nunca me senti muito em perigo... O oceano é um lugar bastante seguro. Penso que o oceano pode ser mais seguro do que caminhar na rua.

Jonathan Bird a filmar em Portugal DR
Jonathan Bird em Sesimbra DR
Jonathan Bird em Sesimbra DR
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Jonathan Bird a filmar em Portugal DR

E porquê este mundo debaixo de água? Como começou isto?
Gosto de fotografia e comecei a fotografar quando estava na escola secundária. Num dos semestres, na escola, tive a oportunidade de aprender a fazer mergulho. Logo no primeiro mergulho que fiz no oceano senti uma grande paixão por ele. Pensei que podia passar o meu interesse pela fotografia para o mundo subaquático. Alguns anos depois, comecei a ficar interessado pela ideia da realização de filmes, porque era uma boa forma de partilhar a minha experiência de mergulho com outras pessoas – e de continuar a fotografar. E aqui estamos!

É fundador do Grupo de Investigação do Oceano [Ocean Research Group, em inglês]. Hoje temos problemas no oceano relacionados com as alterações climáticas, como já falámos. Quais as suas grandes preocupações e deste grupo?
A minha grande preocupação é com a pesca excessiva. Actualmente, os oceanos dão proteína a cerca de 30% do nosso planeta. Os oceanos estão a ser alvo de uma enorme pesca excessiva. A pesca excessiva nos oceanos está a causar colapsos nos ecossistemas. Há países que já estão a tratar desta questão, como a Noruega, ao defender as suas águas territoriais costeiras contra a pesca ilegal para que possa ser possível ter pesca sustentável. Contudo, alguns países não têm os recursos necessários para impor as suas fronteiras e impedir que grandes frotas de pesca entrem.

O que se pode fazer para resolver esse problema?
Não sei qual será a melhor forma de lidar com esse problema... Inicialmente, os países devem começar por defender as suas águas territoriais e garantir, de forma proactiva, que não é lá feita pesca excessiva.

O que faz exactamente no Grupo de Investigação do Oceano? Fazem algumas acções?
Atribuímos algumas bolsas de estudo em ciências marinhas e financiamos investigação. O nome deste grupo é uma homenagem a Jacques Cousteau, que também foi financiado para fazer a sua investigação. Sou um grande fã de Jacques Cousteau. Quando era miúdo, era uma inspiração para mim e pensava que os mergulhadores eram super-heróis.

Quer deixar algum conselho?
Tento inspirar as pessoas. É por isso que faço os meus vídeos – esse é o objectivo. Mas posso dizer: pesquem o mínimo que conseguirem.