Provedora do animal quer fim dos actuais espectáculos de golfinhos e refúgio marinho
Responsável propôs ao Governo uma série de leis para proteger o bem-estar dos “mamíferos marinhos mais inteligentes”. Sessão de sensibilização ocorre este sábado, em Lisboa.
Há 33 golfinhos em cativeiro em Portugal, entre o Jardim Zoológico (oito) e o Zoomarine Algarve (25), inseridos numa dinâmica de realização de espectáculos que poderão vir a ter um futuro mais perto das condições naturais daquela espécie. A provedora do animal, a veterinária Laurentina Pedroso, quer criar uma legislação que melhore as condições de vida destes animais. Para sensibilizar sobre o assunto, a responsável organizou um evento em Lisboa, neste sábado à tarde, na Universidade Lusófona.
“A provedora do animal recomenda ao Governo que crie legislação apropriada para assegurar a protecção e o bem-estar dos cetáceos em cativeiro e apela aos operadores económicos que, com um grupo de trabalho mediado pela provedora, adoptem de imediato um conjunto de melhorias (…) que coloque o nosso país entre os primeiros a nível mundial na protecção e bem-estar de cetáceos golfinhos”, lê-se numa nota introdutória às propostas que a provedora enviou para o Governo e a que o PÚBLICO teve acesso.
A curto prazo, Laurentina Pedroso defende acabar com a reprodução em cativeiro dos golfinhos, o fim de espectáculos e actividades em que os golfinhos tenham que actuar, fazendo truques e acrobacias, ou que tenham de entrar em contacto com os participantes. Em vez disso, os golfinhos estariam expostos para os visitantes poderem observá-los, tal como ocorre com a grande maioria dos animais expostos naqueles parques zoológicos.
Mas a médio prazo, a provedora propõe a criação de um refúgio marinho, junto à costa portuguesa, onde aqueles golfinhos poderiam viver num ambiente mais próximo do natural. Apenas dois dos golfinhos em Portugal, no Zoomarine, não nasceram em cativeiro. Por isso, a maioria daqueles mamíferos marinhos não tem capacidade de sobreviver no meio selvagem, daí a ideia de um refúgio protegido.
A espécie de golfinho que existe cá em cativeiro é o Tursiops truncatus, o golfinho-roaz. Estes cetáceos podem viver até aos 50 anos de idade, viajar 100 quilómetros durante um dia e, em algumas populações, mergulhar até aos 500 metros. O golfinho existe nas águas oceânicas e marinhas de clima tropical, subtropical e temperado. Embora algumas populações estejam ameaçadas, a espécie como um todo não está em risco de extinção.
Sorriso enganador
Estes animais tornaram-se famosos durante a década de 1960 com o programa de televisão norte-americano Flipper, que fixou a imagem do sorriso dos golfinhos no cérebro dos telespectadores e ajudou a proliferar a nível mundial os parques aquáticos com este animal.
Mas o sorriso é enganador. “Os golfinhos parecem estar sempre a sorrir, mas o sorriso não existe”, esclarece Laurentina Pedroso, directora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona. “Os golfinhos não têm a capacidade de alterar a sua expressão facial, ao contrário dos humanos.” Eles podem estar em sofrimento, mas continuarão com aquela expressão.
“Os golfinhos são os mamíferos marinhos mais inteligentes. São animais sencientes que sentem como nós, mas são animais selvagens, não são animais domésticos. Aqueles que temos em cativeiro têm os comportamentos que têm porque foram treinados”, afirma a ex-bastonária dos animais, referindo-se à capacidade de baterem palmas com as barbatanas ou nadarem para trás.
“O habitat em cativeiro é muito diferente das condições naturais destes animais, nunca conseguimos reproduzir a qualidade de vida dos animais e garantir o seu bem-estar”, refere a especialista, argumentando que a complexidade dos golfinhos e o facto de esta espécie não estar em risco de extinção fazem com que este seja um dos casos mais prementes de mudança em matéria de protecção animal, tal como anteriormente aconteceu com os animais usados no circo.
“Dentro da conjuntura que temos, há que melhorar as condições de bem-estar dos animais até haver condições para fazer uma transição destes para um refúgio no mar”, alega a provedora. Mas, para já, é necessário “terminar de imediato a reprodução em cativeiro dos animais, para daqui a 50 anos não continuarmos a falar sobre isto”.
A baía da vergonha
No encontro deste sábado, que vai ocorrer a partir das 14h30, na sala de cinema Fernando Lopes, na Universidade Lusófona, vai ser exibido o documentário The Cove - A Baía da Vergonha, onde se denuncia a actividade que ocorre perto da povoação de Taiji, no Japão, onde todos os anos os pescadores daquela povoação prendem com redes grupos de golfinhos.
Uma pequena parte dos golfinhos é capturada para o comércio internacional, que vai alimentar parques zoológicos. O resto é morto naquelas águas e a carne é usada para alimento. Os pescadores argumentam que esta é uma actividade tradicional, com séculos de história.
“Acabei de vir de Taiji”, diz ao PÚBLICO Ric O’Barry, activista norte-americano de 84 anos, que há mais de 50 luta pela libertação dos golfinhos dos parques zoológicos, depois de ter sido o treinador dos golfinhos que interpretavam o flipper da série. “Eles já não os matam pela carne. O combustível que usam para os carros custa mais do que aquilo que eles fazem com a carne. Um golfinho morto vale 500 dólares [470 euros]. Um golfinho vivo que vai para o Dubai custa 200.000 dólares [182.000 euros]”, argumenta o activista, que foi um dos personagens seguidos no documentário, e vai estar na sessão de sábado para uma conversa.
Mas mais importante para o contexto da realidade portuguesa, onde regra geral não se pode comprar golfinhos e a grande maioria já nasce em cativeiro, será a sessão sobre um santuário na Indonésia para a recuperação de golfinhos em cativeiro.
Para Laurentina Pedroso, a construção de um refúgio daquele tipo em Portugal terá de ser feito a partir de um trabalho conjunto com a indústria, o Governo, as instituições de investigação e outros interlocutores. “Isto é um trabalho de equipa, somos todos importantes”, defende a provedora, adiantando que na Itália e na Grécia estão a fazer experiências nesse sentido. “Com todo este mar, porque não tomarmos a liderança”, questiona.
Mas tanto o Jardim Zoológico como o Zoomarine não estão de acordo com esta ideia, segundo o que o PÚBLICO apurou. “A ‘transição’ proposta pela provedora seria um tremendo retrocesso cultural, pedagógico, científico e conservacionista, de que Portugal, a braços com uma crescente crise de extinção de espécies, teria imenso a perder, atendendo à urgência de sensibilizar nacionais e estrangeiros para as urgências da conservação da natureza”, alega o Zoomarine. O parque recebe mais de 650.000 visitantes anualmente e considera que a pressão para a mudança vem de um “grupo ultra-minoritário, embora desproporcionalmente vocal”.
No entanto, há um rol de países que já baniram o cativeiro de cetáceos, incluindo a Índia, o Canadá, o Chipre e o Chile. A França também está num processo de acabar com esta forma de nos relacionarmos com aqueles mamíferos marinhos.