O Instagram está a esconder publicações sobre a Palestina, denunciam os utilizadores
Durante o fim-de-semana, vários utilizadores denunciaram a alegada censura nas publicações pró-Palestina no Facebook e Instagram. A empresa afirma que se tratou de um erro que já foi resolvido.
O ataque do Hamas a território israelita, a 7 de Outubro, marcou o reacendimento do conflito entre Israel e Palestina e, desde então, são vários os vídeos e testemunhos que chegam a todo o mundo através das redes sociais. Parte destes conteúdos são falsos, mas existem relatos verdadeiros sobre a crise humanitária na Faixa de Gaza que, segundo vários utilizadores do Instagram e Facebook, estão a ser censuradas ou silenciados nas redes sociais.
Durante o fim-de-semana, alguns utilizadores optaram pelo Twitter para denunciar o alegado esquema de shadowbanning (bloquear total ou parcialmente o utilizador e o seu conteúdo de áreas específicas de uma comunidade online sem que este saiba) da Meta, empresa responsável pelas duas redes sociais. Asseguram que sempre que publicam um história sobre a Palestina numa conta pública ou privada o conteúdo fica visível durante 24h, mas poucas pessoas o vêem.
O decréscimo da visibilidade chamou a atenção dos utilizadores que se aperceberam que a empresa estava a agir para limitar o acesso às publicações sobre Gaza. Por outro lado, revelaram, se colocassem uma hashtag, GIF ou imagem que nada tivesse que ver com a Palestina, as visualizações voltavam ao normal. O mesmo acontecia se o nome deste país tivesse um asterisco a substituir alguma letra.
Em resposta às acusações, Andy Stone, director de comunicação da Meta, afirmou que o problema de visibilidade foi causado por um erro (bug), entretanto corrigido, que “afectava todos as histórias com publicações do Reels e Feed”. Como consequência, revelou, os conteúdos não estavam a aparecer na conta dos utilizadores: “Este bug afectava igualmente contas em todo o mundo e não tinha nada que ver com o tema do conteúdo — e corrigimo-lo o mais rapidamente possível”, escreveu no Twitter, no fim-de-semana.
Helena Trigueiro, nutricionista e consultora de projectos de saúde em assuntos europeus, foi uma das pessoas afectadas pelo shadowbanning do Instagram. Desde o início da guerra que tem partilhado nas histórias publicações das Nações Unidas ou do Programa Alimentar Mundial sobre a crise na Faixa de Gaza tanto na conta pessoal, que é privada e tem poucos seguidores, como na profissional, que chega a mais de seis mil pessoas. Segundo a nutricionista, normalmente, os conteúdos são vistos por duas mil pessoas, mas neste caso, tiveram entre cinco e dez visualizações.
Meta statement on concerns about the visibility of Stories.
— Andy Stone (@andymstone) October 15, 2023
“We identified a bug impacting all Stories that re-shared Reels and Feed posts, meaning they weren’t showing up properly in people’s Stories tray, leading to significantly reduced reach. This bug affected accounts…
“Foram quatro histórias relacionadas com Gaza, mas não tinham escrito em lado nenhum Palestina ou Israel. Nem sequer tinham texto. Não estavam a chegar às pessoas e, estupidamente, pensei que podia ser um problema com a minha rede, mas se fosse esse o caso ninguém veria. Depois comparei com os stories da minha conta pessoal sobre Gaza e vi que foram vistas por mais pessoas”, explica ao P3.
Só se apercebeu da censura na segunda-feira, a 16 de Outubro, quando os conteúdos já estavam activos há 19 horas. Decidiu denunciar o esquema através de uma publicação no Instagram em que mostra o fraco alcance dos conteúdos e ainda alguns links para ajudar civis palestinianos afectados pelo conflito.
No entanto, e para evitar que o algoritmo voltasse a silenciar a mensagem que queria passar, a legenda fala sobre um livro de receitas portuguesas com influência árabe.
“Começo a falar sobre o livro porque muitas das receitas de carne e peixe são influenciadas pela cultura árabe. Quando se justifica a falta de atenção em Gaza há vários anos e se compara, por exemplo, com a guerra na Ucrânia, o motivo que é muitas vezes dado é o facto de os ucranianos serem mais parecidos connosco, quando na verdade temos muita influência árabe. Não somos assim tão diferentes.”
Com Inês Chico Viva, investigadora e responsável por política de saúde na OCDE, aconteceu o mesmo. As histórias que publica costumam chegar a 400 ou 500 seguidores, mas as que faz sobre Gaza, que nunca mostram cenários de violência, só estão a chegar a um máximo de 20 pessoas.
Inicialmente, pensou que a hashtag #freepalestine podia ser o motivo da quebra e a solução que encontrou foi excluir o texto dos conteúdos. O mesmo acontece nas publicações que fez sobre o tema. Por enquanto, a estratégia está a resultar, mas os números ainda não são os habituais.
Meta admite que censurou conteúdos visíveis por engano
O The New York Times dá ainda conta de vários utilizadores que denunciaram publicações censuradas pelo Facebook sobre um protesto pacífico marcado para o fim-de-semana em São Francisco, na Califórnia. As restrições têm levado muitos utilizadores a divulgarem mensagens de apoio à população da Palestina no LinkedIn, rede social que costuma ser utilizada para contactos profissionais.
A Meta tem uma política de privacidade já conhecida que restringe conteúdos sensíveis, violentos e de nudez. A par disto, está a moderar os conteúdos gráficos publicados sobre a guerra por questões de segurança, pelo que alguns podem ser temporariamente suspensos à medida que o faz.
“Queremos reiterar que as nossas políticas foram concebidas para dar voz a todos e mantendo as pessoas seguras nas nossas aplicações. Aplicamos estas políticas independentemente de quem está a publicar ou das suas crenças pessoais, e nunca foi nossa intenção suprimir uma determinada comunidade ou ponto de vista”, lê-se no site. Tendo em conta o processo, a empresa admite que algumas publicações que deveriam ser visíveis foram censuradas.
Nos casos denunciados no Twitter, os utilizadores destacam que as publicações não mostravam violência e referiam-se apenas à situação humanitária em Gaza. O Mashable escreve ainda que houve quem não conseguisse publicar mais histórias durante o resto do dia.
“Publiquei duas histórias no Instagram. A primeira não tinha que ver com a Palestina e a segunda era sobre a guerra na Palestina. Há uma diferença imediata nas visualizações”, lê-se num comentário acompanhado de uma imagem que mostra que a primeira publicação foi vista por 126 pessoas enquanto a segunda foi vista por 64.
“O meu story estava disponível há 20 minutos e só teve três visualizações. É desprezível o Instagram proibir qualquer coisa relacionada com a Palestina”, escreveu outra pessoa.
Num comunicado publicado no site, a Meta salienta ainda que condena o ataque do Hamas e que apoia “os residentes que sofrem com a violência contínua”. “Estamos a dar mais informações às pessoas para que possam decidir o que ler, confiar e partilhar, adicionando rótulos de aviso a conteúdos classificados como falsos por verificadores de factos e aplicando rótulos a editores de meios de comunicação social controlados pelo Estado”, concluem.
I posted two stories on Instagram. First is non Palestine related while second one concerns the war in Palestine. See the immediate difference in views. They are shadowbanning stories related to Palestine, fvcking cowards. pic.twitter.com/bGoGMRghyI
— S??//FreePalestine???? (@Meinkyakrun) October 15, 2023