Quando os bombeiros

Quando os bombeiros chegaram, viram aquele rapaz sério, a cara com marcas negras das cinzas das mãos da menina e, recortado pelas chamas, a caminhar firme e pausadamente pelos destroços da tragédia.

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Quando os bombeiros chegaram, estava a Guilhermina paralítica a rezar na cama, as lágrimas a escorrerem-lhe pela cara, porque apesar de não ver o fogo, sentia a sua insaciabilidade furiosa, mexia as contas do rosário com os dedos tortos, o barulho da madeira a arder, as cores, laranja e negro, que tingiam o ar, ar que anunciava por falta de gritos que alguma coisa de muito grave se passava, por isso a Guilhermina murmurava as suas preces, as palavras arrasadas pela impotência, pelo desespero de quem olha para a realidade e quer mudá-la, sabendo de antemão ser impossível fazê-lo. O estranho sentimento de querer reverter o tempo, andar para trás, fazer diferente, parece generalizado, apesar da certeza indutiva de ser inconcretizável, pelo menos no contexto pragmático do dia-a-dia: o tempo parece ter um sentido, uma seta, não admite um voltarei atrás e farei de outra forma, o tempo não se verga ao nosso desejo de mudar o passado, por mais que alguns físicos neguem esta ideia da experiência da passagem do tempo. Parafraseando um, muito conhecido: o passado, presente e o futuro são uma ilusão, ainda que muito teimosa. Não sendo verificável a regressão, por que motivo existe o desejo de tentar mudar o passado e pensamos nisso com tanta frequência? Talvez um dia possamos dar razão a Aristóteles e afirmar que, se existe um desejo natural, este não pode ser sem propósito, e um dia todo o passado será salvo do fogo.

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