Azul
Aline foi meiga ou fomos nós que saímos da rua?
Clima. Biodiversidade. Sustentabilidade. Uma newsletter sobre o nosso planeta.
Ocorreu um erro. Por favor volta a tentar.
Subscreveu a newsletter Azul. Veja as outras newsletters que temos para si.
Esta quinta-feira, por volta das 17h, não havia filas de trânsito no Porto com o habitual pára-arranca no final do dia que nos leva ainda mais cansados para casa. Posso estar enganada porque falo apenas da minha experiência, das ruas por onde andei, e do que ouvi dizer que também aconteceu em algumas zonas de Lisboa. Posso apenas ter tido sorte, mas a minha visão meramente empírica, sem dados concretos para a sustentar, leva-me a concluir que a comunicação de risco resultou.
Ainda estávamos a sofrer alguns efeitos da depressão Babet que nos atingiu no início da semana e já se falava na dura Aline que estava quase a chegar. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) deixava o apelo que o Azul divulgou: optar pelo teletrabalho esta quinta-feira "não era má ideia" e era também sensato evitar deslocações desnecessárias. O aviso foi repetido e a Protecção Civil terá enviado o alerta por SMS a muitos portugueses (espero que a todos). Sou menina para arriscar dizer que a estratégia pode ter resultado.
É verdade que caíram árvores, as ruas alagaram, o vento soprou forte como previsto a muitos quilómetros hora em óbvio excesso de velocidade e muitos dos chuveiros foram implacáveis com sessões de pingas gordas e grossas que pareciam ter força de partir ossos (ou vidros, descontado o meu exagero). Houve famílias desprotegidas que sobrevivem em casas frágeis assentes em zonas de risco que acabaram por ser desalojadas. Foi um dia mau, um Inverno com temperatura de Outono. Ao final deste dia, Aline contabilizava 3470 ocorrências desde as 12h de quarta-feira até às 19h de hoje. É mau.
Não é uma surpresa termos as notícias sobre a tempestade na lista das notícias mais lidas do PÚBLICO. Os meios de comunicação fazem ecoar os avisos e depois trazem as histórias dos estragos da rua para os nossos ecrãs, para mais perto de nós. As pessoas querem saber mais sobre o que, inevitavelmente, vai afectar as suas vidas ou afectou a vida dos outros. Não foi um inferno, aparentemente carros submersos só houve mesmo daqueles pequeninos de brincar, mas foi um dia mau. Aline já passou. Outras tempestades virão.
Numa recente entrevista ao Azul que, injustamente, não teve o sucesso que os artigos sobre a Aline tiveram, o biólogo José Guerreiro, presidente do IPMA desde Junho deste ano, referia alguns aspectos que podem ser importantes para que a tempestade de hoje tenha sido aparentemente mais fácil de suportar. Desta vez, para não ficar em hipóteses empíricas, falo de dados concretos: a notícia mais lida no PÚBLICO sobre a tempestade Aline teve 48 mil utilizadores e a interessante entrevista da Clara Barata a José Guerreiro sobre o futuro do instituto ficou-se apenas por 3 mil utilizadores.
Para essas três mil pessoas não vou dizer nada de novo. Mas aproveitando a boleia da Aline talvez através desta newsletter os nossos leitores possam ter aqui uma segunda oportunidade para saber mais sobre o IPMA. Sabiam que o IPMA tem um supercomputador [Sistema de Modelação Oceano Atmosfera de Alta Resolução Espacial e Temporal – Atlântico]? Não é de agora, foi uma conquista da anterior gestão, mas é um instrumento que pode ajudar a explicar a recepção mais tranquila que fizemos à Aline.
O supercomputador, explicava José Guerreiro, "permite-nos ter previsões actualizadas num período muito curto de tempo e integrar uma maior quantidade de dados, possibilitando também uma previsão mais alargada". E acrescentava: "Podemos fazer previsões com uma malha à volta de 2,5 km, mais coisa menos coisa. Isto permite mobilizar meios para os sítios em concreto com alguma antecedência. Aliás, quando houve o furacão Óscar na Madeira — foi o meu segundo dia aqui — conseguimos prevenir a situação com 48 horas de antecedência."
E com mais informação, mais cedo e mais precisa vem uma melhor prevenção e preparação. Com isso: menos tristeza e menos estragos. O biólogo que preside ao IPMA lembrou que "isso permitiu ao Governo da Região Autónoma da Madeira tomar as devidas medidas" e conclui que a informação pode ter salvado vidas. "Choveu muito mais, mas muito mais mesmo, do que tinha chovido na tragédia de 2010 [as cheias de 20 de Fevereiro de 2010, na costa sul, fizeram 51 mortos, 600 desalojados e mil milhões de euros de prejuízos]. Este é o caminho. A área da previsão meteorológica, associada ao clima, deve, em primeiro lugar, contribuir para a segurança de pessoas e bens."
Quero acreditar que um pouco disso aconteceu esta quinta-feira também. Espero que as próximas tempestades não me façam morder a língua e engolir esta opinião como um sapo. A verdade é que ainda há muito a fazer no que diz respeito à prevenção "a sério". Prevenção a longo prazo que os especialistas reclamam para salvar pessoas e bens e que, muitas vezes, os autarcas só se lembram já debaixo de um guarda-chuva e com água pelos joelhos, a lamentar os prejuízos.
Aline "entrou como um leão a Norte e saiu como um sendeiro a Sul", como nos mostra a reportagem de hoje. Estamos no Outono e, por mais que o clima ande perturbado pela mão humana, a seguir vem aí o Inverno. Olhando agora para o dia que passou pode parecer que não havia caso para tanto alarido e que a tempestade Aline "pariu um rato".
Os avisos da Protecção Civil e as nossas medidas de prevenção podem atenuar uma depressão. Que isso resulte, já que as tais medidas a longo prazo se adiam de um Inverno para o outro, com todos a correr atrás do prejuízo.
Podemos fazer a nossa parte e isso pode fazer alguma diferença. Não sei se isto aconteceu noutras empresas, mas no PÚBLICO fomos "aconselhados" a optar pelo teletrabalho. Não me lembro de receber um comunicado por causa da meteorologia antes da Aline e já estou na casa há quase 30 anos.
Como disse, não sei se havia menos gente na rua ou se foi sorte minha. Vamos ter muitas tempestades pela frente, fenómenos extremos mais frequentes e intensos. Sabendo que as soluções para os problemas estruturais falham e tardam, eu, por mim, continuava a apostar na comunicação e prevenção para amainar as tempestades. Pelo menos, nisso.