Quatro escolhas (mais Wang Bing) para abrir o Doclisboa

A 21.ª edição do festival de cinema documental inaugura-se esta quinta-feira com o cineasta chinês, num programa que debate o que é fazer cinema e onde ficam as fronteiras da privacidade.

Foto
Retrato do compositor Wang Xilin, 86 anos (que estará presente na sessão de abertura do Doclisboa) pela mão de Wang Bing dr
Ouça este artigo
00:00
04:24

É com Wang Bing, figura tutelar da sua programação ao longo dos últimos 20 anos, que o Doclisboa dá início esta quinta-feira à sua 21.ª edição, que se prolongará até ao próximo dia 29, nos cinemas Ideal e São Jorge, na Cinemateca Portuguesa e na Culturgest. A inauguração oficial decorre às 21h, no São Jorge, com o mais recente filme do documentarista chinês que veio revolucionar o olhar sobre o colosso asiático: Man in Black, 61 minutos rodados em Paris e estreados em Cannes 2023 ao redor do corpo e da música de Wang Xilin, compositor contemporâneo ostracizado no seu país (e que estará presente entre nós).

Como habitualmente, esta não é a única sessão deste primeiro dia: a retrospectiva O Documentário em Marcha, sobre o documentário americano engajado nos anos 1930, tem já três sessões introdutórias na Cinemateca Portuguesa; a Culturgest mostra o mais recente trabalho do francês Alain Cavalier, L’Amitié (21h15); e o cinema Ideal recebe Allensworth, o mais recente filme de outra figura central do cinema do real moderno, James Benning (18h), e o documentário sobre a cantora Joan Baez, I Am a Noise (22h).

É uma abertura em beleza para um festival que, este ano (e pelo que já nos foi possível ver), tem entre as suas linhas de força o que significa ver e fazer cinema nos nossos dias conturbados, bem como as fronteiras entre o público e o privado que a proliferação de imagens de múltiplas fontes vem questionar. Num primeiro fim-de-semana que marca igualmente os programas da secção Riscos com os realizadores convidados Paula Gaitán e Mika Taanila, quisemos desde já destacar quatro filmes que demonstram a abrangência das escolhas do Doclisboa 2023.

Foto
Nouveau Monde! (Le Monde à Nouveau), de Nicolas Klotz e Élisabeth Perceval dr

Nouveau Monde! (Le Monde à Nouveau)

Nicolas Klotz e Élisabeth Perceval
Competição Internacional
Culturgest, sexta-feira 20, 18h45, e São Jorge, sábado 21, 11h (ambas as sessões com a presença dos realizadores)

A dupla francesa tem sido presença regular no Doc e este novo filme, revelado no FID Marseille, é talvez o mais desafiador da sua produção: um filme-ensaio nas pegadas de Jean-Luc Godard, um questionamento rente ao osso à la Straub/Huillet, uma meditação sobre o passado e o futuro do cinema que toma como ponto de partida um filme de 1923 de Jean Epstein, L’Or des Mers. A partir de material rodado em Ouessant, onde Epstein esteve há um século, Perceval e Klotz debatem a natureza do cinema e das imagens, a utopia do novo mundo, o apocalipse como recomeço. Um filme para pensar em frente ao ecrã.

Foto
Menus Plaisirs - Les Troisgros, de Frederick Wiseman dr

Menus Plaisirs - Les Troisgros

Frederick Wiseman
Da Terra à Lua
Culturgest, sábado 21, 14h, e São Jorge, domingo 29, 16h30

Já não é preciso apresentar o mestre documentarista americano nem o seu processo paciente e atento de criação de um filme. A sua nova imersão nas instituições culturais francesas, depois da ópera ou do ballet, dirige-se à culinária, ao mergulhar no quotidiano do restaurante da família Troisgros, que esteve na berlinda da criação da nouvelle cuisine. Estas quatro horas de prazer degustativo (e não são todos os filmes de Wiseman degustativos?) tiveram estreia no festival de Veneza.

Foto
Theater of Thought, de Werner Herzog dr

Theater of Thought

Werner Herzog
Da Terra à Lua
Culturgest, sábado 21, 19h; repete São Jorge, domingo 29, 21h

Outro nome que não precisa de apresentações, o cineasta da “verdade extática” investiga desta vez o cérebro humano e o futuro da neurotecnologia. Entrevistando cientistas, biólogos, investigadores em inteligência artificial e até Philippe Petit, o funâmbulo que atravessou o vazio entre as torres do World Trade Center em 1974, Herzog propõe mais uma das suas viagens peripatéticas àquilo que nos torna humanos.

Foto
Tzipora and Rachel are not Dead, de Hadar Morag, Tahel Ran dr

Tzipora and Rachel are not Dead

Hadar Morag, Tahel Ran
Competição Internacional
Ideal, sábado 21, 22h, e São Jorge, quarta 25, 17h

É um dos filmes mais exigentes e problemáticos que o Doclisboa vai mostrar este ano, e é também um bom exemplo de um dos temas recorrentes desta edição. Tahel Ran filmou durante 16 anos as suas interacções com a irmã Tzipora, que viveu internada num hospital psiquiátrico; a cineasta israelita Hadar Morag pegou nessas imagens e montou-as para contar a história implacável de uma relação torturada e tortuosa, marcada por acusações de abuso e internamentos, entre a ternura e a crueldade. Como outros títulos do programa, Tzipora and Rachel Are Not Dead levanta questões de voyeurismo e intimidade, percepção e manipulação, colocando o espectador como testemunha.

Sugerir correcção
Comentar