Uma Varanda sobre Tóquio, por David Lopes: entre Shimano, Obento e melancias quadradas

David Lopes junta num livro trilingue (português, inglês e japonês) uma centena de crónicas do Japão, ilustradas por Yutaka Suzuki, aqui em pré-publicação.

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Detalhes de algumas das ilustrações de Yutaka Suzuki dr
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Todas as histórias de Uma Varanda sobre Tóquio, editado pela Avenida da Liberdade Editores, são reais, e foram escritas ao longo dos dois anos em que o autor esteve a viver e a trabalhar na capital do Japão. O prefácio é de Valter Hugo Mãe que refere que se trata de “um manifesto dessa amorosidade maravilhada. Uma declaração que tanto serve para dizer aos portugueses acerca da maravilha do Japão, quanto serve para deixar aos japoneses uma centenária prova de admiração e amizade”.

A introdução é do embaixador de Portugal no Japão, Vítor Sereno, que escreve tratar-se de uma obra “que simboliza na perfeição a importância de celebrarmos o 480.° aniversário da chegada dos primeiros portugueses ao Japão. Como no séc. XVI, fica em evidência o carácter profundamente humanista deste encontro entre os nossos dois países, do qual David Lopes é mais um ilustre representante.”

Aqui, partilhamos três crónicas do livro, em pré-publicação.

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David Lopes em Tóquio dr

Shimano

Para os ciclistas e amantes de bicicletas, a marca Shimano é considerada em todo o mundo uma das melhores marcas de acessórios e componentes de bicicletas. Talvez não exista outra marca, nesta área, que alie de forma tão evidente a qualidade e a notoriedade.

Esta marca japonesa, verdadeiramente global, é, no Japão, ainda mais conhecida, noutra categoria de produtos: as canas e os acessórios de pesca, que também se vendem em todo o mundo. Em comum, nesta empresa fundada em 1921, existe uma cultura de inovação e um saber acumulado na modelagem de metais, que inicialmente era feita artesanalmente, e que agora já possui algumas linhas completamente robotizadas. No final de 2021, tive o privilégio de assistir a uma palestra do chairman Shimano San, neto do fundador, que começou a sua apresentação explicando a razão pela qual a empresa tem a sede na cidade de Sakai (perto de Okada): foi nesta cidade que se desenvolveu desde o século XVI um saber e uma indústria de moldar o ferro e os metais, que fazem dela também a referência de facas artesanais no Japão.

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Yutaka Suzuki

Mas a grande revelação estava para acontecer quando Shimano San apresentou o seu primeiro slide, com uma primeira palavra: “Portugal”. Portugal foi, de acordo com a sua explicação, o precursor desta sabedoria de trabalhar e moldar metais nobres, pois os arcabuzes e armas de fogo, que foram entregues pelos portugueses aos japoneses, levaram-nos a estudar essas armas, copiando-as e criando assim um conjunto de artífices que não mais abandonaram a sua arte, transmitindo-a de geração em geração, até chegar à fundação da Shimano.

Foi de coração cheio e cabeça a fervilhar que abandonei aquela sala, imaginando quantas histórias estão por contar e descobrir, escondidas por aquelas que chegaram até nós.

Obento

Assistimos pelo mundo a uma adesão cada vez maior ao fenómeno da lunch box.

Normalmente, um almoço que preparamos em casa pelos motivos mais diversos. Porque se torna caro comer fora todos os dias, porque não gostamos de o fazer, porque estamos cansados das soluções existentes por perto, ou simplesmente porque preferimos controlar a qualidade do que comemos.

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No Japão, junto mais uma dimensão que é também cultural. Chama-se Obento e é, para além de uma lunch box, uma instituição nacional. Não é feita em casa, mas é normalmente muito saudável e saborosa, existindo milhares de opções. Podem ser compradas em qualquer supermercado, mas também por vezes em pequenos restaurantes de rua, para levar.

Mas os Obentos que mais fama têm são mesmo os que se compram nas estações ferroviárias em todo o país. Cada estação oferece Ekiben’s únicos, que expressam muito da riqueza e diversidade gastronómica do Japão. Fazer uma viagem de comboio é também por isso uma oportunidade para nos deliciarmos com boa comida regional preparada com produtos locais. Acho que, amanhã, vou apanhar um comboio para almoçar bem e aproveitar para descobrir uma nova cidade...

Melancias quadradas

A primeira vez que vim ao Japão, há cerca de vinte anos vi à venda — por uma pequena fortuna — estas melancias quadradas.

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Yutaka Suzuki

No meu regresso, pedi a um amigo ceramista da Achada (aldeia perto da Ericeira), o Miguel, que fizesse uma dúzia de melancias exactamente iguais e em tamanho real. Seriam a partir dali o símbolo dos prémios de inovação que usávamos para distinguir colegas e parceiros de negócio, na empresa onde trabalhava.

Guardei uma, para nunca me esquecer que a inovação e a diferença não significam muitas vezes algo completamente novo e disruptor, mas também podem significar fazermos algo diferente com os mesmos recursos que temos. Desde esse ano, mudei de emprego e de casa mais do que uma vez, mas a minha melancia quadrada viaja sempre comigo, para que não me esqueça disso. Continua a ser uma das minhas crenças. Podemos operar maravilhosas transformações se conseguirmos que colegas e equipas aceitem ver o mundo e o negócio de perspectivas e ângulos diferentes.

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