Feira do Livro de Frankfurt criticada por “tentar silenciar” autora palestiniana
Adania Shibli deveria receber um prémio literário nos dias do evento, mas a cerimónia foi adiada indefinidamente. O seu livro Um Detalhe Menor contém anti-semitismo, entendem vozes críticas da obra.
A Feira do Livro de Frankfurt, cuja edição deste ano acontece entre esta quarta-feira e domingo (18 a 22 de Outubro), está a ser acusada, numa carta aberta que segundo a agência Lusa foi já “subscrita por mais de mil personalidades ligadas ao mundo literário”, de fechar as suas portas a vozes da Palestina. Em causa está o adiamento da entrega de um prémio literário a Adania Shibli, autora palestiniana nascida em 1974. Shibli deveria, no final desta semana, ser distinguida em Frankfurt pela sua obra Um Detalhe Menor (2022, Dom Quixote), livro que segundo “alguns críticos literários” contém “narrativas anti-semitas”, escreve o jornal espanhol El País.
O prémio em questão é o LiBeraturpreis, galardão anual que visa distinguir, no feminino, o trabalho de autoras africanas, do continente asiático, da América Latina ou do mundo árabe. O adiamento da cerimónia foi confirmado na última sexta-feira pela associação literária que o atribui e que todos os anos o entrega por ocasião da Feira do Livro de Frankfurt, a LitProm. A sua decisão foi tomada “devido à guerra iniciada pelo Hamas” e que está a levar ao sofrimento de “milhões de pessoas em Israel e na Palestina”, justificou num comunicado.
A LitProm — cujo presidente, Juergen Boos, é também o presidente e CEO da Feira do Livro da Frankfurt — disse estar à procura de “um formato e contexto adequados” para organizar a cerimónia numa data futura, ainda por definir. Entregar o prémio a Adania Shibli é algo que “nunca esteve em questão”, assegurou ainda a associação literária germânica.
Um Detalhe Menor conta a história verídica de uma jovem beduína em 1949 que, após sobreviver a um massacre orquestrado por soldados israelitas, é capturada, violada e assassinada. A essa história verdadeira, Adania Shibli junta a narrativa fictícia de “uma jovem mulher em Ramallah que, muitos anos mais tarde, descobre acidentalmente uma breve menção a esse crime brutal” e começa a investigar o caso, pode ler-se na sinopse do livro.
“Adania Shibli sobrepõe magistralmente estas duas narrativas translúcidas para evocar um presente para sempre assombrado pelo passado. Com uma prosa inquietante e precisa, Um Detalhe Menor evoca a experiência palestiniana do apagamento, da expropriação e da vida sob a ocupação, ao mesmo tempo que revela a complexidade permanente de se juntar as peças de uma narrativa ocultada por fragmentos de linguagem”, acrescenta o mesmo texto.
A obra foi escrita originalmente em árabe. A sua tradução inglesa foi indicada para galardões como o prestigiado prémio Booker Internacional, em 2021.
Mas o livro também tem gerado controvérsia, sobretudo na Alemanha. A polémica começou no Verão, quando o jornalista Ulrich Noller deixou o seu cargo como um dos elementos do júri do prémio LiBeraturpreis, protestando contra a decisão de distinguir Um Detalhe Menor. Na semana passada, o crítico literário Carsten Otte argumentou no jornal Tageszeitung que a obra retrata todos os personagens israelitas como “violadores e assassinos anónimos”. “Pode um romance que retrata Israel como uma máquina assassina ser premiado?”, questionou. Segundo o El País, “muitos outros críticos elogiaram a obra, e a maioria deles” não falam em anti-semitismo.
Esta é uma ideia na qual a já referida carta aberta em solidariedade para com Adania Shibli também insiste. “Ao passo que o livro foi criticado como sendo anti-semita por dois jornalistas e editores literários, outros críticos sérios claramente refutaram isto na imprensa alemã e em outros fóruns”, escrevem os signatários, que incluem, por exemplo, Olga Tokarczuk, Abdulrazak Gurnah e Annie Ernaux, todos premiados com o Nobel da Literatura — em 2018, 2021 e 2022, respectivamente.
“Numa altura em que a Feira do Livro de Frankfurt emitiu um comunicado a dizer que quer tornar as vozes israelitas especialmente audíveis no evento, a organização está a diminuir o espaço para uma voz palestiniana”, consideram os autores da carta aberta. Estes entendem que o adiamento da entrega do prémio a Adania Shibli é uma "tentativa de silenciar a [sua] voz" e argumentam que a feira germânica, enquanto a mais importante do mundo editorial, tem a "responsabilidade de criar espaços para autores palestinianos poderem partilhar os seus pensamentos, sentimentos e reflexões sobre literatura nestes tempos terríveis e cruéis, não de os abafar”.
No seu comunicado, a LitProm disse que a decisão de adiar a cerimónia de entrega do prémio LiBeraturpreis fora tomada em conjunto com Adania Shibli. Ouvida pelo jornal britânico The Guardian, a agência literária da autora refuta esta versão dos acontecimentos.