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Recusem ser peças de decoração, se for isso que vos exigirem, rejeitem ser o bibelô do lar, e neguem também, se for isso que vos exigirem, ser apenas o sustentáculo da vassoura e do pano do pó.

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Eu, em pequena, dava saltos com os braços estendidos e esperava que Deus me agarrasse no ar. A Alexandra, sentada à mesa da cozinha, escrevia à máquina, de forma ritmada, intervalando algumas frases com goles de chá: De facto, tinha a sensação de que Ele me suspendia por um momento, um átomo de tempo suspenso, agarrava-me por debaixo dos braços como qualquer adulto faria, mas apenas num instante, quase imperceptível de tão eterno. Há uns indígenas na Amazónia que dão saltos quando se cumprimentam [um gole de chá]. Todos temos um certo asco ao chão. Tendemos a procurar a leveza e encontramos consolo em segundos de elevação. Mas depois crescemos. As velhas não saltam, pois não? Sejam imoderadas, meus futuros cadáveres, desensinem-se do que vos ensinarem, saltem [um gole de chá]. Saltem. Isso permite ver, durante um instante, para lá dos vossos muros. Meus queridos anjos, meus futuros cadáveres, recusem ser peças de decoração, se for isso que vos exigirem, rejeitem ser o bibelô do lar, e neguem também, se for isso que vos exigirem, ser apenas o sustentáculo da vassoura e do pano do pó, não sejam o sexo decorativo, se for isso que vos exigirem, não nasceram para criadas, e o peito não é apenas uma máquina de dar de mamar, por dentro há um coração e o seu único batimento sério é a liberdade, se é para viver somente a limpar a sujidade, façam-no ao pontapé e aos gritos, que este país silencioso bem precisa de ser esfregado com essa lixívia e essa palha-de-aço que provém da revolta.

E andem devagar, sejam deambulantes e sem pressas [um gole de chá], andar assim é desenhar poesia, quando encontramos a velocidade do caracol, surgem perguntas, experimentem andar assim, essa lentidão será a porta da rua: rodem a maçaneta e saiam em liberdade. Porém, andem rápido noutras ocasiões para chegarem ao vosso destino e deixarem para trás o medo. Desassosseguem-se e amem a rua como se ama um lar, será nela que nos libertaremos da tirania, não será a ouvir a telefonia e a engomar camisas. Ora-sus.

A Alexandra interrompeu-se uns segundos, passou a língua pelo nome de Deus, bebeu um gole de chá, dobrou em quatro o papel onde escrevia e colocou-o num envelope.

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