Está Mesmo Tudo Bem: as raparigas, o suicídio e a televisão que se quer estranha

Série de seis episódios sobre um presente envenenado que estraga os planos de uma jovem. Só que esses planos eram o suicídio e o presente é uma casa. Humor negro no TVCine Edition.

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Thomasin McKenzie em Está Mesmo Tudo Bem dr
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Está Mesmo Tudo Bem é uma tradução competente para para o título original da série que se estreia esta segunda-feira às 22h10 no TVCine Edition, Totally Completely Fine. Mas uma tradução excelente teria sido a frase que dava título à apresentação da série aos jornalistas por parte dos canais TVCine: “É OK Não Estar OK.” É uma questão de gosto, mas também de adequação a uma geração em crise. Não é por acaso que um dos cartazes mais memoráveis da primeira manifestação geral pela habitação, em Abril, dizia: “Senhorios é bué cringe.” Nem é por acaso que na segunda manifestação, no fim de Setembro, esse cartaz foi replicado. Há mensagens que resultam e que falam com (pelo menos) uma geração.

Mas divergimos, ou tergiversamos, o que na verdade é bastante adequado a Está Mesmo Tudo Bem, uma série centrada numa jovem de vinte e poucos anos em plena crise mas que se vê constantemente enredada nas crises dos outros. Tipo uma idosa enleada na vedação de arame farpado com a qual acaba a fumar erva. Porque não?

No mesmo dia da manifestação pelo direito à habitação — sim, já chegaremos à série, mas a seu tempo, porque há ideias e uma “vibe” a cimentar —, Jessica Grose apelava no New York Times para que os criadores “tornem outra vez a televisão e os filmes estranhos”. É alguém que anda pelo TikTok e pelo YouTube perante o desinteresse da televisão linear e a perda de identidade das plataformas de streaming. Ora, finalmente as boas notícias, embora não sejam exactamente as que Grose esperava, são que ainda há televisão suavemente estranha, descomprometidamente desconfortável e que vem de uma linhagem que ela até é capaz de reconhecer. Só não é norte-americana. “Se você gostou de Bad Sisters, então vai gostar disto”, arrisque-se, qual Amazon das sugestões televisivas.

Ou “se você gostou de The End of the F***ing World, então vai gostar disto”. Ou ainda, sem ter muito a ver, “se você gostou de Sex Education, então vai gostar de Está Mesmo Tudo Bem”. Na verdade, como uma questão de premissa, está-se mais no território Por 13 Razões do que qualquer uma das séries acima. Mas é a tal “vibe”, a sensação que se transmite quando se aborda o tema do suicídio, do trauma, da culpa, das jovens raparigas e mulheres mas com humor seco e espírito rebelde de que Está Mesmo Tudo Bem.

Parece por fim necessário apresentar brevemente o enredo desta série, que consiste em seis episódios e dos quais o PÚBLICO viu os dois primeiros. O avô de Vivian morre precisamente quando ela ponderava matar-se. E deixa-lhe uma casa, onde está constantemente a ser confrontada com essa ideia. A casa (convém também talvez dizer que esta é uma série australiana e que tem cenários a condizer) fica num penhasco frente ao mar que, depois de algumas peripécias, se torna numa espécie de campo de treino anti-suicídio. Não explicar como nem porquê é da mais singela etiqueta para com o potencial espectador.

Mas o que se pode dizer é que a protagonista, Thomasin McKenzie, a neozelandesa de Jojo Rabbit, está de se ver e que a premissa da série torna não só as suas querelas familiares numa forma de habitar Vivian com mais personagens peculiares — ou “quirky “, como diriam os ingleses —, dando a conhecer os seus irmãos e respectivas órbitas, como também torna a casa numa espécie de porta giratória de figuras deste e de outros tempos. Tudo alimenta a intriga que, voltemos uns parágrafos acima, não há dados suficientes para dizer que está ao nível de Bad Sisters, por exemplo, mas que dá vontade de ver mais um episódio. Há tanta oferta e tanta dispersão que esta é uma informação tão válida quanto outra qualquer.

A seriedade do tema, que esconde outro tema igualmente sério, é como o "gaslighting" em Bad Sisters ou a sociopatia em The End of the F***ing World — abordada de uma forma ligeiramente descadeirada, algures entre o humor e o respeito pelas questões de saúde mental que suscita, o que perfaz televisão um bocadinho estranha.

Escrita e produzida por Gretel Vella (The Great), foi considerada pelo jornal The Age como “uma das séries australianas mais ambiciosas da era do streaming”, e tem o selo Sundance Now, um serviço de vídeo on-demand do Festival de Sundance e suas marcas de audiovisual. É mais uma série que se serve dos recursos da comédia para lidar com o negrume da vida mental. McKenzie disse à imprensa que sofre de ansiedade e que quis com a série “permitir às pessoas serem confusas e imperfeitas e dar-lhes a autorização para não estarem sempre bem”. Porque é OK não estar OK.

A série tem um novo episódio a cada segunda-feira e depois fica disponível na plataforma TVCine+.

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