A reconciliação na Austrália “está morta”

Aborígenes convocam uma semana de silêncio e reflexão depois de a maioria dos australianos ter rejeitado reconhecer constitucionalmente os denominados Primeiros Povos na Constituição.

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O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, consola a ministra para os Assuntos Indígenas, Linda Burney, depois de se saberem os resultados do referendo MICK TSIKAS/EPA
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O resultado do referendo foi claro: 61% dos australianos votaram “não” no primeiro referendo em quase um quarto de século, realizado no sábado, para rever a Constituição e criar um conselho consultivo dos Primeiros Povos, chamado A Voz, para auxiliar o Governo e o Parlamento na legislação e políticas públicas que afectam os aborígenes e os nativos das Ilhas do Estreito de Torres.

Para as 984 mil pessoas dos chamados Primeiros Povos, que representam 3,8% da população da Austrália, 14 de Outubro foi um dia de desilusão. Os seus líderes convocaram uma semana de silêncio e reflexão para digerir aquilo que consideram ser um passo na direcção errada no processo de reconhecimento público das atrocidades cometidas historicamente pelos colonizadores europeus contra os povos que já viviam na Austrália.

“Ficou muito claro que a reconciliação está morta”, disse num debate na NITV Marcia Langton, uma das autoras do projecto de A Voz e uma das líderes da campanha do “sim”. “Penso que terão de passar pelo menos duas gerações para os australianos poderem ser capazes de esquecer os ódios coloniais e reconhecer que existimos.”

Num comunicado, citado pela Reuters, as lideranças indígenas falam na “amarga ironia” de que “seja o povo que está neste continente apenas há 235 anos a recusar-se a reconhecer aqueles que vivem nesta terra há mais de 60 mil anos”.

Ao contrário do Canadá e da Nova Zelândia, por exemplo, países que passaram pelo colonialismo britânico mas que reconheceram os seus povos indígenas na Constituição, a Austrália continua a manter os seus Primeiros Povos fora da sua Carta Magna.

O primeiro-ministro, Anthony Albanese, apostou parte do seu capital político na iniciativa e a derrota do “sim” é também uma derrota do Governo.

Peter Dutton, líder da oposição, sublinhou, citado pela agência, que este referendo era algo de que “Austrália não precisava”, porque o seu único resultado foi dividir a nação.

As lideranças indígenas anunciaram que esta semana as bandeiras aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres serão colocadas a meia haste.

Lloyd Walker, antigo internacional de râguebi e um dos líderes indígenas, reconhecendo que o caminho para a reconciliação está mais difícil, instigou à continuação da luta. “Podemos dizer que foi derrotado na votação, mas, mesmo assim, ainda há 40% que o queriam. Há anos não teríamos tido essa percentagem, seguramente”, disse, citado também pela Reuters.