Três em quatro plantas que ainda nem conhecemos já estão ameaçadas de extinção
Mais de 18.800 novas espécies de plantas e fungos foram descritas desde Janeiro de 2020, refere relatório dos Jardins Botânicos de Kew, em Londres. Parte destas já estão ameaçadas ou extintas.
Os botânicos sentem-se numa “corrida contra o tempo”. Três em quatro plantas que ainda nem conhecemos já estão ameaçadas de extinção. Mais de 90% dos fungos que existem no planeta ainda não foram descritos formalmente pelos cientistas. E 45% das plantas com flores que nos são familiares também estão em risco. Estas são apenas três das várias conclusões divulgadas, esta terça-feira, no quinto relatório Estado das Plantas e Fungos do Mundo, elaborado pelos Jardins Botânicos Reais de Kew, em Londres, no Reino Unido.
“A minha experiência pessoal é a de que o número de plantas ameaçadas aumentou de forma chocante nos últimos anos. Quando comecei a trabalhar como taxonomista, há 30 anos, nem sequer considerava que uma espécie que estava a ser objecto de publicação poderia estar extinta. Apenas partíamos do princípio que ainda estaria por aí na natureza”, afirma o cientista Martin Cheek, que lidera a investigação em taxonomia acelerada nos Jardins de Kew, citado numa nota.
Dividido em 11 capítulos, o relatório envolveu 200 cientistas de mais de 100 instituições de 30 países e inclui as conclusões de mais de 25 artigos científicos de publicações revistas por pares. O objectivo é avaliar o estado do reino vegetal e dos fungos, examinando trajectórias, padrões globais de biodiversidade e identificando lacunas essenciais de conhecimento.
É por isso que o relatório encerra também um apelo: os cientistas pedem que as espécies recém-descritas sejam tratadas como ameaçadas. Como estão a trabalhar em contra-relógio, os investigadores precisam de garantir a protecção de plantas e fungos que acabaram de ser conhecidas e, assim, ganhar tempo para estudar melhor características fundamentais para avaliar o estado de conservação.
Estima-se que, na “enciclopédia” das plantas e dos fungos, haja 32 volumes aos quais não temos acesso. São “manchas escuras de conhecimento identificadas na diversidade vegetal”, referem os Kew em comunicado.
Fungos: um reino quase desconhecido
No reino dos fungos, por exemplo, ainda há muito por descobrir. Descobrimos e nomeámos até hoje 155.000 espécies, o que representa provavelmente 10% do universo fúngico. Os cientistas calculam, recorrendo a análises de ADN ambiental em amostras de solo de várias partes do globo, que existam cerca de 2,5 milhões de espécies de fungos no mundo.
Todos os anos, novos fungos são encontrados. Desde 2020 – ano em que teve início a pandemia, o que dificultou os trabalhos de taxonomia –, a comunidade científica conseguiu descrever 10.200 novas espécies de fungos. Se mantivermos este ritmo, e se a estimativa de 2,5 milhões estiver correcta, precisaremos de mais de 750 anos para caracterizar e nomear todos os fungos que habitam o planeta.
“Nomear e descrever uma espécie é o primeiro passo vital para documentar a vida na Terra. Sem saber que espécies existem e designar nomes para elas, não podemos fazer qualquer avaliação do estado de conservação ou explorar o seu potencial para beneficiar as pessoas”, afirma Tuula Niskanen, cientista da Universidade de Helsínquia e antiga chefe de investigação em taxonomia acelerada nos Jardins de Kew, citada numa nota de imprensa.
O documento também traz boas notícias. Novas ferramentas de biologia molecular poderão acelerar este processo, esperam os investigadores, permitindo que 50 mil espécies de fungos passem a ser catalogadas anualmente a partir de amostras de solos oriundas de diferentes geografias.
Espécies recém-descritas já extintas
O relatório também inventaria as mais de 18.800 novas espécies de plantas e fungos que foram nomeadas desde Janeiro de 2020. Entre as mais de 8600 plantas recém-descritas está a Victoria boliviana, o maior nenúfar gigante do mundo.
O processo de descrição de uma planta não é imediato. Não basta encontrá-la e atribuir um nome aleatório. A caracterização de uma nova espécie, da localização de um espécime à divulgação da novidade em revistas da especialidade, exige trabalho e tempo. Há situações em que, quando uma boa nova é anunciada à comunidade científica, a espécie já desapareceu do planeta. Foi o que aconteceu com a extinta “orquídea das quedas” (Saxicollela deniseae).
Ao contrário do que a designação popular sugere, a Saxicollela deniseae não integra a família das orquídeas. Pertence, de facto, a um grupo de plantas que “gostam” de cascatas e águas rasas. A botânica Denise Molmou recolheu um exemplar no rio Konkouré, na Guiné, em 2018. A espécie só seria descrita na literatura científica três anos depois, quando a obra de construção de uma barragem hidroeléctrica já havia inundado o habitat da “orquídea das quedas”. Acredita-se que Denise Molmou “foi a primeira e provavelmente a última pessoa a ver a espécie na natureza”, lê-se na nota de imprensa.
As alterações climáticas, assim como as mudanças no habitat ou uso do solo, são duas das principais ameaças identificadas no relatório. “Estamos numa encruzilhada em que temos de descobrir como proteger o ambiente e alimentar uma população crescente face às alterações climáticas e à perda de biodiversidade. Sabemos que não podemos trabalhar isoladamente; por isso estamos a trabalhar com mais de 100 países – desenvolvendo soluções baseadas na natureza e na ciência”, afirmava Alexandre Antonelli, director científico dos Kew, numa recente entrevista ao diário britânico The Guardian.
Parte dos dados científicos nos quais o relatório se baseia também são publicados esta terça-feira numa colecção especial das revistas científicas New Phytologist e Plants, People, Planet. Um artigo de revisão da diversidade e conservação dos fungos também vai ser publicado na Annual Review of Environment and Resources.