Todos os anos, cabos não utilizados, brinquedos electrónicos, ferramentas eléctricas, cigarros electrónicos e inúmeros outros pequenos artigos de consumo que muitas vezes não são reconhecidos pelos consumidores como resíduos electrónicos totalizam nove milhões de toneladas de resíduos electrónicos “invisíveis”, um sexto de todos os resíduos electrónicos a nível mundial.
O cálculo das quantidades anuais de resíduos electrónicos "invisíveis" foi feito pelo Instituto das Nações Unidas para a Formação e a Investigação (UNITAR), a pedido do Fórum dos Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE), que organiza o Dia Internacional dos Resíduos Electrónicos (que se celebra a 14 de Outubro) e reúne 52 organizações com responsabilidade em vários países para gerir os resíduos electrónicos de forma responsável. Em Portugal, a entidade parceira é a Electrão.
O valor das matérias-primas nos resíduos electrónicos globais gerados em 2019, explica a instituição, foi estimado em 57 mil milhões de dólares (cerca de 54 mil milhões de euros), a maior parte dos quais atribuídos a componentes de ferro, cobre e ouro. Um sexto desse total global – ou seja, 9,5 mil milhões de dólares por ano (nove mil milhões de euros) –, pertence à categoria dos resíduos electrónicos invisíveis.
Se se reunisse num só local estes resíduos electrónicos “invisíveis”, descreve o Fórum REE, encheriam camiões suficientes para criar uma fila ao longo de 5640 quilómetros – mais do que a distância entre Lisboa e Nova Iorque.
E o que são estes resíduos electrónicos “invisíveis”?
“As pessoas tendem a reconhecer os produtos eléctricos domésticos como aqueles que ligam à corrente e utilizam regularmente. Muitas pessoas não reconhecem alguns produtos alimentados a pilhas ou com fios, como um detector de fumo ou um termóstato inteligente, como um produto eléctrico porque não têm ficha”, explica Pascal Leroy, director-geral do Fórum REEE.
De acordo com um estudo de 2022 desenvolvido pelo UNITAR e pelos membros do Fórum REEE em seis países – Eslovénia, Itália, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Roménia –, dos 74 produtos electrónicos encontrados num agregado familiar médio, 13 estão a ser acumulados, entre quatro potencialmente avariados e nove não utilizados, mas a funcionar.
Os pequenos produtos electrónicos de consumo e os acessórios, como auscultadores ou telecomandos – muitas vezes não reconhecidos como artigos electrónicos – estão no topo da lista de produtos acumulados. Outros exemplos incluem escovas de dentes, máquinas de barbear, discos externos, altifalantes, luzes LED, ferramentas eléctricas ou detectores de calor e de fumo.
Cerca de 3,2 milhões de toneladas (35%) dos cerca de nove milhões de toneladas de resíduos electrónicos invisíveis pertencem à categoria dos brinquedos electrónicos: conjuntos de carros de corrida, comboios eléctricos, brinquedos musicais, bonecas falantes e outras figuras robóticas, computadores de bicicleta, drones, etc.
No total, calcula a UNITAR, são cerca de 7,3 mil milhões de objectos individuais descartados anualmente, uma média de cerca de um brinquedo electrónicos por cada pessoa na Terra.
Para que poderiam ser usados?
O lixo electrónico “invisível” acumulado é, no fundo, uma montanha de recursos valiosos que não voltam a entrar no ciclo de reciclagem e fabrico. Estes dispositivos contêm alguns recursos valiosos, incluindo metais como o ouro, a prata e o cobre, e também matérias-primas críticas, cruciais para a transição ecológica e para a produção de novos dispositivos electrónicos.
O Fórum REEE relembra que muitos destes dispositivos, como os cigarros electrónicos, contêm lítio, o que torna a sua bateria recarregável mas também provoca sérios riscos de incêndio quando o dispositivo é eliminado.
O lítio é uma das matérias-primas consideradas estratégicas pela Comissão Europeia, vista como crucial para a transição para a energia verde. A maior parte destes materiais é deitada fora nos caixotes do lixo doméstico e noutros locais, o que se traduz em material desperdiçado que poderia ajudar a evitar novas explorações mineiras.
Os cabos também são outro problema: o estudo da UNITAR concluiu também que, no ano passado, foram deitados fora 950 milhões de quilos de cabos – cabo suficiente para dar 107 voltas à Terra, descrevem – que continham cobre, facilmente reciclável.
Muitas pessoas não sabem que estes cabos podem ser reciclados: um “enorme recurso adormecido”, descreve o Fórum REEE, numa altura em que se prevê que “a procura de cobre aumente seis vezes até 2030, só na Europa, para satisfazer as necessidades de sectores estratégicos como as energias renováveis, a mobilidade eléctrica, a indústria, as comunicações, a indústria aeroespacial e a defesa”.
Perigo de contaminação
De acordo com as Nações Unidas, em 2023 serão produzidos em todo o mundo oito quilos de resíduos electrónicos por pessoa. Apenas 17,4% destes resíduos, que contêm substâncias nocivas e materiais preciosos, serão registados como devidamente recolhidos, tratados e reciclados a nível mundial.
E quando este lixo electrónico “invisível” é eliminado de forma inadequada? Como nem sempre são reconhecidos como resíduos electrónicos, acabam frequentemente em aterros ou incineradores.
Só que estes aparelhos contêm várias substâncias perigosas, como o chumbo, o mercúrio, o cádmio e substâncias anti-chama, que podem contaminar o solo e as fontes de água, poluir os ecossistemas e representar riscos para a saúde humana.
As restantes dezenas de milhões de toneladas serão depositadas em aterros, queimadas, comercializadas ilegalmente, tratadas incorrectamente ou, talvez com sorte, acumuladas nas gavetas em casa.
O perigo, alerta Pascal Leroy, do Fórum REEE, é que as pessoas “também não têm conhecimento dos componentes perigosos que o lixo electrónico contém”: “Se não forem devidamente tratados, substâncias como o chumbo, o mercúrio ou o cádmio podem lixiviar-se e contaminar o solo e a água.”
Notícia actualizada a 15 de Outubro. Acrescenta participação da Electrão no Fórum REEE e link para locais de recolha de equipamentos electrónicos.