Vem da região do Sado a pergunta dirigida à ministra da Agricultura e da Alimentação (MAA), Maria do Céu Antunes, que esta sexta-feira preside à reunião interministerial, com o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca: “Faz algum sentido reunir-se a comissão de seca quando começa a chover?” A voz de desânimo e indignação é de Ilídio Martins, secretário da direcção da Associação de Regantes de Campilhas e Alto Sado (Arbcas). Não é o único a queixar-se na região mais atingida pela seca.
A última vez que as barragens de Campilhas e de Monte da Rocha, instaladas na bacia do Sado, descarregaram, por terem atingido o nível de pleno enchimento, foi em 2013. Estas duas reservas de água representam, a par da barragem da Bravura no Algarve e de Santa Clara em Odemira, as situações mais extremas na escassez de recursos hídricos a nível nacional.
Já decorreu, entretanto, uma década sem que surgisse uma resposta que mitigasse as terríveis consequências das falta de água na agricultura e na pecuária e “nos últimos cinco anos tem sido dramático superar as dificuldades”, conta ao PÚBLICO Ilídio Martins, que lamenta ser sistematicamente posto perante o mesmo quadro deprimente que se repete ano após ano.
Daí a pergunta do secretário da direcção da Associação de Regantes de Campilhas e Alto Sado dirigida ao Governo. Afinal, para quê reunir-se agora a comissão permanente? A última reunião desta comissão foi no dia 25 de Agosto, pela quarta vez este ano (a 16.ª reunião desde que foi criada em 2017), para avaliação da situação numa altura em que mais de 46% do país se encontrava em seca severa ou extrema.
Reagindo à leitura que a ministra faz da situação actual, quando disse à TSF que “não é expectável” a necessidade de recorrer a novos cortes ou limitações no abastecimento de água aos agricultores, Ilídio Martins critica a metodologia que tem sido seguida por sucessivas comissões de seca que “deveriam antecipar os cenários do ano seguinte”, estabelecendo critérios de intervenção e planificando o tipo de apoios que poderão ser necessários. Devia-se já estar a trabalhar para prevenir os possíveis (e prováveis) prejuízos futuros.
O fenómeno da seca “há muito que deixou de ser um problema conjuntural”. “Hoje estamos confrontados com uma situação estrutural”, referiu na Comissão Parlamentar de Agricultura a 2 de Maio o presidente da assembleia geral da Arbcas, Carlos Amaral.
Uma delegação da associação foi apelar “à casa da democracia” para que a ministra respondesse aos vários emails que foram enviados para solucionar um problema que, a não ser resolvido, poria em causa o funcionamento da associação: as dívidas acumuladas por falta de pagamento de água à Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA) não tinham como ser liquidadas. “Somos os agricultores de regadio com as maiores dificuldades e as situações mais críticas a nível nacional”, salientou Carlos Amaral. E acrescentou: “Não só não temos água, como a pouca que temos compramo-la caríssima, facto que nos retira capacidade competitiva.”
Entre 2016 e 2022 a associação de regantes recebeu 65 milhões de metros cúbicos de água que custaram 2,1 milhões de euros. “Ter acesso à água é vital, mas tudo o que compramos à EDIA representa prejuízo”, referiu o presidente da assembleia geral da Arbcas.
O secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Rodrigues, participou, posteriormente, nas negociações com a EDIA e foi protelado o pagamento da água em dívida até que a chuva volte a encher as barragens do sistema de Campilhas e Alto Sado.
Os parentes pobres ao lado da rega
Neste momento, o panorama na bacia do Sado continua grave. “Temos 3 mil hectares de regadio que recebem água de Alqueva com uma taxa de aproveitamento acima dos 100%”, refere Ilídio Martins, facto que revela a importância que a água representa como motor que move a economia numa região que vive da agricultura e da pecuária.
“[Ao lado da área regada] temos os parentes pobres, os agricultores e produtores pecuários que não têm acesso à água [numa área aproximada de 3 mil hectares]a”, observa o dirigente da Arbcas, frisando que “já não há água nos furos, nas charcas e o rio Sado está seco”.
O cenário desolador realça a estiagem e a aridez cobre a zona do Campo Branco, um extenso território com mais de 80 mil hectares que se estende pelos concelhos de Castro Verde, Mértola, Ourique e Almodôvar. O verde neste Outono estranho e sem chuva tarda a cobrir a terra esquelética e com fraca aptidão agrícola.
“Mesmo assim, bem ou mal, temos de semear com a esperança que do céu venha a água por que ansiamos”, diz António Aires, presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB), realçando as dificuldades “tremendas” que os produtores pecuários têm tido para alimentar o gado. Os agricultores estão a pagar a palha, que custava 5 cêntimos o quilo, a 20 cêntimos e é cada vez mais difícil de obter.
Como praticamente não choveu, a não ser no início do ano, as pastagens não se fizeram. E as sementeiras de trigo e cevada perderam-se. A situação é um enorme quebra-cabeças para uma região que vive da pastorícia. Falta o alimento para os animais “e não veio o apoio específico para ajudar o sustento das cabeças de gado”, adianta o presidente da AACB.
O resultado revela-se no mal-estar dos homens do campo. “Estamos cansados de boas palavras e de boas intenções”, sublinha António Aires, receoso das consequências, se começar a faltar a água. “Temos receio que os furos sequem. É só tirar, tirar e não se repõe, porque não chove.”
Até ao momento, ainda não há queixas de falta de água no subsolo, mas “as charcas [reservas de água à superfície], essas, já secaram”, avisa, insistindo que resta “acalentar a esperança de que a chuva venha em breve”. Nesta região, quase nada se espera de uma reunião que junta ministros para avaliar a actual situação. Os homens do campo que aqui resistem e ainda acreditam no futuro já só esperam pela chuva.