Há mais de 15 dias que ocorre um corte maciço de árvores, algumas pinheiros com mais de 30 anos, na Serra da Lousã, na zona do Casal da Silveira. Já terão sido desbastados cerca de sete hectares, uma área equivalente a sete campos de futebol, numa zona que integra a Rede Natura 2000 e é Reserva Ecológica Nacional.
A Câmara da Lousã e a empresa Silveira Tech dizem ser as proprietárias dos terrenos onde estão as árvores e garantem não terem vendido a madeira ou dado qualquer autorização para o respectivo corte. No entanto, a empresa Álvaro Matos Bandeira & Filhos, Lda, continua a cortar pinheiros e eucaliptos, assegurando estar a fazê-lo legitimamente, após ter comprado a madeira a uma outra empresa, que a terá adquirido a uns privados.
Nestas duas semanas, a GNR já foi chamada várias vezes ao local, tendo a câmara embargado administrativamente o corte na terça-feira da semana passada, determinando que a empresa parasse com o abate das árvores. Também a Silveira Tech fez, no mesmo dia, um embargo extrajudicial.
No entanto, a Álvaro Matos Bandeira & Filhos recusou-se a cumprir as ordens. António Bandeira, gerente da firma, garantiu numa conversa por email com o PÚBLICO, ter mostrado à GNR os documentos que legitimam o corte, nomeadamente a compra da madeira a privados e uma escritura de compra e venda em que a Câmara da Lousã vendeu, em Maio de 1933, o Casal da Silveira.
A Silveira Tech, que se encontra a regenerar ambientalmente o Casal da Silveira e a revitalizar duas aldeias abandonadas, avançou na segunda-feira passada com uma providência cautelar no Tribunal de Lousã. Isso mesmo foi confirmado ao PÚBLICO pelo juiz-presidente da comarca de Coimbra, que sublinha que a acção deu entrada há apenas três dias.
Antes, a empresa já tinha apresentado uma queixa por furto contra a Álvaro Matos Bandeira & Filhos. No entanto, até agora nada sucedeu e Manuel Vilhena, um dos fundadores da Silveira Tech, teme que a justiça chegue demasiado tarde: “O Ministério Público e o tribunal não dizem nada. Receio que só quando metade da floresta estiver cortada é que decidam agir”.
Também a câmara, afirma o vereador Ricardo Fernandes, apresentou uma queixa-crime na semana passada contra a empresa, tendo uns dias depois insistido junto do Ministério Público para que fossem tomadas medidas preventivas. “É que depois de esclarecida toda esta questão não posso pegar nas árvores e colá-las no local. Muitas têm cerca de 30 anos e, devido à existência de outras espécies invasoras no local, dificilmente vão voltar a crescer ali”, lamenta Ricardo Fernandes, que tem o pelouro da floresta na autarquia da Lousã.
O PÚBLICO contactou o Ministério Público, através do gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República, que já esta sexta-feira confirmou a existência de um inquérito relacionado com o corte destas árvores. Antes, o PÚBLICO já falara com uma procuradora que confirmara a recepção das queixas-crime e defendera que o foro criminal não é o mais adequado para resolver uma questão como esta.
No início da semana passada, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) enviou ao local uma equipa de vigilantes da natureza. “Constatou-se que decorriam efectivamente trabalhos de exploração florestal – corte final de povoamento adulto de pinheiro-bravo, tendo sido apresentado pelo empreiteiro florestal Álvaro Matos Bandeira & Filhos, Lda, o manifesto de corte, conforme legalmente exigido”, escreveu o ICNF num comunicado divulgado na semana passada.
“No dia 5 de Outubro, a intervenção foi novamente fiscalizada por outra equipa de vigilantes da natureza que reiterou a legalidade da intervenção já observada, também, no dia anterior”, escreveu o ICNF.
O instituto não explicava, contudo, que o manifesto que quem faz um corte de madeira na floresta é obrigado a fazer, não atesta a legalidade da operação, nem a legitimidade para cortar a madeira. Apenas serve, para dar informação sobre o material cortado, o local onde tal aconteceu e o destino dado à madeira. Isso mesmo reconheceu o ICNF numa resposta enviada ao PÚBLICO: "O manifesto de corte de árvores não configura uma autorização para o corte de material lenhoso, mas tem como objectivo permitir a identificação da origem e a rastreabilidade da madeira introduzida no mercado".
Para cortar árvores que não sejam de espécies protegidas (como os sobreiros ou os carvalhos) não é necessária a autorização de qualquer entidade pública. Apenas preencher o tal manifesto, um formulário electrónico numa plataforma online. E isso Álvaro Matos Bandeira & Filhos, Lda fez.
A empresa diz ao PÚBLICO que comunicou a intenção de cortar 25 hectares. Coisa diferente é saber se a empresa está a apropriar-se de madeira alheia e a criar uma cratera na Serra da Lousã, numa zona adquirida por uma empresa precisamente para regenerar ambientalmente aquela área.
“É importante referir que os valores naturais que levaram à classificação da Zona Especial de Conservação da Serra da Lousã não contemplam os povoamentos especificamente plantados para corte final, como se verifica no caso em presença, e o auto de notícia agora levantado incide especificamente sobre a abertura de caminhos, não autorizada”, sublinhava o instituto, na nota.