Yuri da Cunha, 30 anos de músicas: “Reencontrei a minha ancestralidade”
Cantor e compositor angolano está de volta ao Coliseu de Lisboa para celebrar 30 anos de carreira. Esta sexta-feira, com Paulo Flores, Prodígio e Magary Lord por convidados.
Há quem insista que nunca se deve voltar a um lugar onde se foi feliz, mas o cantor e compositor angolano Yuri da Cunha já contrariou esse conselho mais de uma vez e volta a fazê-lo agora, com um novo concerto no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, sala onde se apresentou duas noites consecutivas em Julho de 2015, com lotações esgotadas. Desta vez, e no tempo certo, vai celebrar 30 anos de carreira, contados desde que entrou na escola da Rádio Nacional de Angola, em 1993. É esta sexta-feira, pelas 21h30, e com ele vão estar em palco os angolanos Paulo Flores e Prodígio e o brasileiro Magary Lord.
“Vai ser uma roda de semba”, diz Yuri ao PÚBLICO. “Em Luanda, fizemos uma roda mesmo, um projecto gigante. Em Lisboa não temos como adaptar esse projecto, vamos ter de fazê-lo realmente no palco do Coliseu mas criando a sensação de uma verdadeira roda de semba dentro da sala.”
Insistindo, ao longo dos anos, na defesa da música e da cultura angolana de raiz, Yuri faz um balanço positivo destes últimos anos, desde que actuou em Lisboa, no Tivoli, em 2017: “O mais relevante é que reencontrei a minha ancestralidade, não só para criar uma música mais profunda como para perceber o que realmente quero fazer, ao lado de pessoas como o Paulo Flores. Fui percebendo o que era importante, não só para mim mas para o meu contributo para a música angolana.”
Continua a lamentar, no entanto, que em Angola não haja apoios institucionais para isso: “Seria normal termos um apoio institucional, algo que defendesse aquilo que a gente faz. Mas não temos. Então, aquilo que é tradicional, que vem da raiz, vai-se perdendo. A raiz nunca se perde, mas a tradição sim. E com isso ficamos à mercê do mundo e nunca nos encontramos. Era preciso haver uma defesa. Portugal defende o fado, o Brasil defende o samba e nós, de alguma forma, não vamos tendo essa defesa a nível institucional.”
Nascido no Kuanza Sul, em 13 de Setembro de 1980, Yuri foi levado com apenas três anos para Luanda, pela família, devido à guerra. Aí, ganhou um concurso de rua aos 9 anos, entrou na escola da Rádio Nacional de Angola aos 12 e ao compor tinha na cabeça várias influências, além do próprio pai: Bonga, Teta Lando, David Zé, Urbano de Castro e depois, já nos anos 1990, André Mingas, Balão, Carlos Burity e Eduardo Paim.
O primeiro disco, gravou-o em Portugal, para a Valentim de Carvalho: É Tudo Amor, em 1999. Quatro anos depois, em 2003, gravaria Makumba, canção que o tornou conhecido do grande público. Depois, vieram mais discos: Eu, em 2005; Kuma Kwa Kié, com título em kimbundu (amanheceu), em 2009. E em 2012 gravou Canta Artur Nunes, com um significado especial, já que Artur Nunes (1950-1977), destacado músico e compositor angolano, foi uma das vítimas da sangrenta repressão do 27 de Maio em Angola, ali morto aos 26 anos. Nascido no bairro Cuba, no Sambizanga, foi um dos fundadores do grupo Luanda Show e autor de muitas canções emblemáticas, como Tia ou Belina.
Vieram depois outros discos, como Kandengue Atrevido (maxi-single com cinco temas, sendo a faixa-título gravada em dueto com Paulo Flores), em 2013, ou O Intérprete, álbum lançado em 2015. Nos anos mais recentes, fez-se ouvir em vários singles, como Põe o som (2020), Eu fui ao inferno e voltei (com Prodígio, 2021), Voodoo (com Dandy Lisbon e SPK, 2021), Abre o canal (2022), Egoísta (com Ivete Sangalo, 2023) e Uwapa (com Moneboyz, 2023), a par de dois EP: No Tempo das Bessanganas (com Paulo Flores, 2022) e Ndiki (com DJEFF e Ivory), este lançado no dia 2 de Setembro de 2023.
O espectáculo no Coliseu terá ecos de tudo isso. E a presença dos convidados é uma forma de sublinhar as várias fases do seu trabalho mais recente. “O Paulo Flores é, de alguma forma, a alma que eu busco, não só como músico mas também como família – que é isso que nós somos, família, defendendo a matriz, os nossos princípios culturais, de Angola e das famílias de Angola”, diz Yuri. “Para mim, é sempre um enorme prazer tocar com ele, se a vida permitisse que ele estivesse em todos os meus shows, seria super feliz por isso. O Prodígio é um jovem, mais jovem do que eu, tem uma poesia bonita e vive com esse cuidado de defender a matriz angolana, o que nos torna também família. Quanto ao [percussionista baiano] Magary Lord, é um defensor da cultura angolana no Brasil, faz o chamado black semba, não como o original mas como um semba de viagens, porque vai em busca daquilo que sente e mete isso lá nas suas músicas.”