“Os portugueses conseguem dar o salto das novelas ? Eu respondo que sim”

Sigurjón Sighvatsson, produtor executivo da futura série portuguesa Matilha, defende que o Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema deve ter mais dinheiro e um escalão só para portugueses.

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Sigurjón Sighvatsson é produtor executivo da série Matilha, com Afonso Pimentel como protagonista DR
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Numa altura em que Portugal se está a afirmar como destino de filmagens e na produção de ficção audiovisual com vontade de circular mundo fora, o produtor islandês Sigurjón Sighvatsson sente “um verdadeiro dinamismo” no sector nacional mas faz um alerta: “Tem de existir um sistema de dois escalões” nos incentivos à captação de filmagens e produção. Um para a produção internacional e outro para as empresas locais. E mais dinheiro.

Sighvatsson, responsável da produtora Palomar Pictures e presidente da distribuidora escandinava Scanbox, conhece muito bem os sistemas de incentivos da sua região e, em particular, da Islândia, “que é comparável com Portugal” apesar de “só ter 400 mil pessoas”. Actualmente produtor executivo da série portuguesa Matilha, Sighvatsson falava com o PÚBLICO dois meses antes da proposta de Orçamento do Estado 2024, que esta semana anuncia que o Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema (FATC) vai manter 14 milhões de euros de verba mas que as co-produções nacionais passarão a ter uma dedução à colecta no IRC.

Parte do sector tem pedido um sistema de dois níveis de apoio, para as empresas nacionais e outro para as internacionais. “Não se pode pôr os [produtores] portugueses ao lado de Velocidade Furiosa”, comenta o distribuidor islandês.

“Tem de existir um sistema de dois escalões. Já o temos na Islândia e faz toda a diferença. Começámos por aí e depois adicionámos o ‘cash rebate’” — que em Portugal consiste no reembolso de 25 a 30% do investido pelos produtores internacionais. “Sem os dois sistemas não haverá um crescimento local orgânico. É a verdadeira base para o sucesso internacional.” Insiste: “Vocês têm de ter um sistema doméstico que suporte vigorosamente a produção local e aumentar a quantia no ‘cash rebate’. E ser muito mais flexíveis”.

O Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública (PlanApp) recomendava já em Março "um mecanismo misto de apoio” que direccionasse as grandes produtoras para outros incentivos e não esgotasse as possibilidades da indústria nacional. Que está a crescer, mas que se vê equiparada a estúdios como a Universal ou a Netflix a cada concurso.

“Em 2019 fiquei muito impressionado com o que se estava a fazer em Portugal e com a taxação da Netflix [com a transposição da directiva europeia do audiovisual]”, comenta ao PÚBLICO. Agora, além dos atrasos nos pagamentos dos reembolsos, preocupa-o o tecto orçamental do FATC. “É ridiculamente baixo, nunca vai funcionar. Na Islândia, oficialmente é de 40 milhões dólares e no próximo ano se calhar vai aumentar. E às vezes subimos [conforme o projecto]. No ano passado, quando [a nova temporada da série da HBO] True Detective veio [filmar no país] só eles receberam os 40 milhões”, relata.

De fora, chegam-lhe preocupações sobre se Portugal tem equipas suficientes para responder à procura internacional que aterre no país - “mas isso ouve-se em todo o lado”, desdramatiza sobre os territórios que entram na roda-viva dos “destinos de filmagem”. Outros produtores estrangeiros “perguntam-me se os portugueses conseguem dar o salto das novelas e eu respondo que sim, porque com elas se aprende eficiência, velocidade, e é preciso tão pouco para aumentar a qualidade”.

Só um islandês diz “Portugal é tão grande”. Mas para Sighvatsson, as vantagens são óbvias, da História à diversidade geológica. “É um país relativamente virgem, não só nos recursos naturais mas nos recursos humanos. Está excepcionalmente bem posicionado. É tão jovem que não conhece limitações. Não há hierarquias.”

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